Aos longo das últimas décadas inúmeros estudos têm procurado discutir até que ponto se verifica uma relação causal entre imigração e o sistema de segurança social do país de acolhimento ou, por outras palavras, se as características do sistema de proteção social assumem um efeito propiciador ou repulsivo para os fluxos imigratórios. Os resultados dos múltiplos estudos desenvolvidos nas várias ciências sociais (destaque para a economia) estão longe de chegar a resultados consensuais, mesmo quando analisando igual contexto de acolhimento (salientando-se o contexto norte-americano como um dos mais estudados). As referências bibliográficas sintetizadas de seguida encontram-se identificadas detalhadamente no ponto 2 desta newsletter.
Em 1990 Peterson e Rom publicam o livro Welfare Magnets, no qual desenvolvem a tese de que no contexto americano as pessoas que dependem da segurança social tendem a migrar internamente em direção aos estados com uma segurança social mais generosa. Correlativamente, os decisores políticos procurariam ativamente evitar que os respetivos estados se tornassem refúgios para pessoas dependentes da segurança social, nomeadamente cortando nos benefícios em questão e desencadeando assim um processo de sucessivos nivelamentos por baixo. Autores subsequentes vieram a aplicar estas ideias explicitamente aos migrantes internacionais.
Zavodny (1997) realiza, no rescaldo de um corte federal da segurança social para os imigrantes nos primeiros anos da sua estadia, uma análise econométrica que produz escassos indícios de que os novos imigrantes escolham os seus destinos com base na generosidade do sistema de segurança social do país de acolhimento. O que atrai novos imigrantes, como conclui a autora, são as redes sociais e/ou as populações imigrantes já residentes.
O artigo “Immigration and Welfare Magnets”, publicado em 1999 por George J. Borjas, investigou se as escolhas de destinos feitas pelos imigrantes que chegavam aos Estados Unidos eram influenciadas pela diversidade interestadual na relativa generosidade das respetivas seguranças sociais. O principal pressuposto desta análise era que os imigrantes que se encontrassem a beneficiar da segurança social escolheriam racionalmente localizar-se nos estados onde pudessem colher maiores benefícios. Os resultados a que chegou vieram sustentar essa hipótese, mostrando que os imigrantes que se encontravam a beneficiar da segurança social tendem mais a concentrar-se em estados generosos do que os imigrantes que não recebem benefícios da segurança social e do que os nativos. Por conseguinte, o autor concluía que os dados empíricos eram consistentes com a existência de um efeito de atração dos estados com uma segurança social mais generosa sobre os imigrantes.
Levine e Zimmerman (1999) publicam no mesmo ano um artigo no qual examinam a tese de que as diferenças entre estados na generosidade da segurança social levam à migração. Usando microdados do inquérito nacional (EUA) longitudinal à juventude, coligidos entre 1979 e 1992, empregam um modelo quasi-experimental que utiliza os critérios de elegibilidade dos diferentes sistemas de segurança social. Nomeadamente, o padrão de mobilidade interestadual das mulheres carenciadas com crianças a cargo que são elegíveis para os benefícios da segurança social é comparado ao de outros lares, carenciados mas não elegíveis. Os autores concluem não encontrar indícios de que a migração de base na segurança social seja um fenómeno generalizado.
Em 2000, Allard e Danziger, publicaram o artigo “Welfare Magnets: Myth or Reality?”, analisando dados longitudinais sobre as decisões de migrar tomadas por famílias monoparentais. Os autores estimaram até que ponto as diferenças interestaduais nas generosidades dos programas de segurança social são de facto um fator relevante nessa escolha, concluindo que as famílias monoparentais migram pouco e que os benefícios não exercem uma influência significativa nessa decisão. Também Brueckner (2000), após expor os efeitos teóricos de uma hipotética migração orientada para a segurança social (welfare migration), passa em revista as evidências empíricas para a existência de uma tal migração e chega à conclusão de que os indícios são ambíguos.
Berry, Fording e Hanson (2003) enunciam de forma muito clara a tese da segurança social como íman e, sobretudo, o respetivo corolário, nomeadamente que a taxa de pobreza de um estado acompanhará qualquer aumento relativo dos benefícios da segurança social face aos estados limítrofes. Consideram também a tese de que, em reação ao enunciado anteriormente, os estados entrariam num processo de nivelamento por baixo competitivo ao nível da segurança social. Os autores identificam insuficiências (ao nível do modelo e das metodologias adotadas) em investigações precedentes cujos resultados apoiavam estas hipóteses. Uma vez corrigidos esses erros e efetuada nova análise sobre dados relativos aos estados americanos entre 1960 e 1990, concluem que não há indício de que a taxa de pobreza suba significativamente quando os benefícios da segurança social superam os dos estados vizinhos, nem de que os estados se encontrem envolvidos no referido processo competitivo de nivelamento por baixo.
Kaushal (2005) aponta que apesar do corte federal na segurança social para os imigrantes, vários estados reinstituíram alguns desses apoios socorrendo-se de fundos próprios. A autora usou a variação de políticas a nível estadual que resultou desse processo político como meio de realizar uma análise dos efeitos da elegibilidade e da generosidade associadas aos benefícios. A sua conclusão foi de que pouco efeito estas teriam na escolha de localização por parte das mulheres migrantes não casadas e com baixas qualificações que vão chegando.
Embora iniciado nos Estados Unidos, este debate alastrou ao continente europeu. Logo em 2004 Kvist interroga-se num artigo científico se “Does EU enlargement start a race to the bottom?”. O autor encontrava poucos indícios de que, após o alargamento a leste, os países com benefícios mais generosos se viessem a tornar ímanes para uma migração baseada na segurança social. Contudo, analisando as mudanças nas políticas, o autor constata que os estados da então UE15 claramente interagiam estrategicamente com base nesse pressuposto.
Do outro lado do debate, Sinn (2004) vem por sua vez sustentar que a migração só é positiva na medida em que não seja artificialmente induzida pelas “prendas” do estado social e que, não havendo na europa de então essa cautela, a imposição de restrições seria uma reação racional da parte dos estados de destino.
Giorgi e Pellizzari (2006) prosseguem esta adaptação do debate ao contexto europeu e encontram um efeito pequeno mas significativo da generosidade do estado social na decisão de localização dos imigrantes. Ainda que pequeno, este efeito teria consequências que poderiam contrabalançar os benefícios, situação que os autores dizem poder ser evitada mediante a introdução de um rendimento mínimo europeu uniforme. Esta solução seria, afirma, mais barata em termos agregados do que a panóplia de sistemas de apoio social que existia à data, mas, dada a sua desigual distribuição geográfica, difícil em termos políticos. Num artigo subsequente, publicado em 2009, os mesmos autores atualizam a análise e reiteram as conclusões (Giorgi e Pellizzari, 2009).
Schulzek (2012) analisa o impacto da segurança social no asilo e na migração económica. A autora testa a tese do íman face a uma tipologia de estados de previdência (social-democrático, corporativo e liberal) com base em dados para 16 países da OCDE, entre 1985 e 2002. Na tipologia desenvolvida, a autora acaba por concluir que: (1) os estados de previdência de tipo social-democrata atraem refugiados, mas afastam imigrantes económicos; (2) os estados de previdência de tipo corporativo atraem refugiados e imigrantes económicos; e (3) os estados previdência de tipo liberal afastam os refugiados mas, surpreendentemente, não atraem os imigrantes laborais. Estes resultados, segundo a autora, desafiam a assunção comum de que os imigrantes laborais são fortemente atraídos pelos estados previdência de tipo liberal e respetivas economias favoráveis aos negócios. Neste âmbito a autora defende que será importante adicionar as considerações relativas à segurança social como um fator adicional ao modelo de migração baseado na atração-repulsão proposto por Lee.
Barrett e Maître (2013) centram o seu estudo em determinar se os imigrantes recebem mais da segurança social do que os nativos numa série de países europeus. Usando dados das Estatísticas do Rendimento e das Condições de Vida na UE, identificam poucos indícios de que os imigrantes recebam efetivamente mais quando todos os tipos de benefícios são considerados. Esta constatação mantém-se quer nos dados brutos, quer em análises de regressão que permitem controlar o efeito de características relevantes. Além disso, descobrem taxas de pobreza maiores entre os imigrantes, o que, em combinação com os resultados relativos aos benefícios da segurança social, os leva a questionar a eficácia do sistema junto desta população específica.
Giulietti e Wahba (2013) passam em revista as principais teorizações e pesquisas empíricas sobre a tese da segurança social enquanto íman e concluem que os indícios são bastante contraditórios. Uma possível explicação para este estado de coisas, adiantam, é que a literatura tenha até então falhado em reconhecer a existência de diferentes regimes de migração, bem como a possibilidade de a causalidade entre imigração e despesa com segurança social se processar no sentido inverso ao esperado.
Giulietti, Guzi, Kahanec e Zimmermann (2013) estudam o impacto dos subsídios de desemprego na imigração em 19 países europeus entre 1993 e 2008. Os resultados para os imigrantes com origem em países da UE indicam que não existe qualquer relação entre as duas grandezas nesta população. No que respeita aos imigrantes de países terceiros à UE, a análise mais rudimentar indica uma correlação moderada mas as técnicas mais sofisticadas indicam um efeito causal menor e estatisticamente não significativo. Os autores concluem que o debate sobre a “migração baseada na segurança social” é mal orientado e carece de sustentação empírica.
Giulietti (2014) prossegue esta linha de argumentação, afirmando que, ao contrário do que pretende a tese da segurança social enquanto íman para a migração, os indícios empíricos apontam para que as decisões migratórias não levem em consideração a generosidade da segurança social dos países de acolhimento. Mesmo quando os imigrantes usam os benefícios mais intensamente do que os nativos, a diferença corresponde a diferenças nas características demográficas e sociais das populações e não ao estatuto migratório per se. Acresce que os indícios sugerem que em alguns países os imigrantes têm uma dependência da segurança social inferior à dos nativos, apesar de enfrentarem um maior risco de pobreza.
Skupnik (2014) nota que com a introdução da liberdade de mobilidade para os trabalhadores da Europa de Leste, era esperado que os países da UE15 reduzissem os benefícios dos respetivos sistemas de segurança social de modo a evitarem tornar-se “ímanes de segurança social”. Contudo, os dados da OCDE não apoiam a predição de um processo competitivo de nivelamento por baixo. Utilizando dados do inquérito ao emprego, o autor analisa os determinantes dos fluxos migratórios e não encontra indício de que, uma vez controlado o efeito das restrições políticas temporárias à liberdade de movimentos, as variáveis associadas à segurança social afetem os fluxos migratórios. Isso explica a razão pela qual o incentivo à mudança na despesa com segurança social é baixo.
Razin e Wahba (2015) utilizam a diferença na mobilidade permitida aos imigrantes com origem na UE, Noruega e Suíça, por oposição aos nacionais de países terceiros à UE, para procederem a uma análise que encontra fortes indícios a favor da tese da segurança social enquanto íman no caso do grupo com a mobilidade livre.
Por fim, e mais recentemente, Andersen e Migali (2016) fazem ainda notar que as análises desenvolvidas sobre este tema tendem a esquecer a forma como a segurança social pode afetar também a decisão de regressar ao país de origem. Nos países com benefícios da segurança social relativamente pequenos, os imigrantes tendem a regressar ao país de origem caso enfrentem uma situação de desemprego, por exemplo, enquanto em países com sistemas de segurança social mais generosos, alguns optarão por permanecer. O mais importante, contudo, é que a decisão de permanecer ou regressar é mais sensível à generosidade da segurança social do que a decisão original de vir para o país de acolhimento.
Em suma, trata-se de um debate que tem a sua origem do outro lado do atlântico mas que foi rapidamente importado para a agenda política europeia. Por outro lado, a tese da segurança social como íman, embora de origem académica, é politicamente carregada e polarizadora. A maioria dos estudos revistos argumenta contra a tese ou demonstra a sua fraca fundamentação. Persiste, porém, o desafio de compreender se a própria variedade dos sistemas de segurança social e da composição dos fluxos migratórios em cada país do mundo podem induzir a resultados distintos a nível internacional. Importa, pois, compreender melhor de que forma a questão se tem colocado no contexto nacional.
Em Portugal o tema da relação entre a imigração e a segurança social foi trabalhado por este Observatório das Migrações a partir de 2005, tanto numa perspetiva jurídica – quanto ao enquadramento legal que tem estabelecido os direitos e os deveres dos estrangeiros residentes no país em relação ao sistema de proteção social e a sua evolução (Silva, 2005 e Peixoto et al., 2011) -, como numa perspetiva sociológica e estatística que atende ao saldo dessa relação, na diferença entre as contribuições e as prestações sociais beneficiadas pelos estrangeiros residentes (Peixoto et al., 2011; Oliveira e Gomes, 2014; Oliveira e Gomes, 2016). Resulta, neste âmbito, uma leitura que atende aos contributos muito positivos dos imigrantes para o sistema, nomeadamente por permitir atenuar os efeitos do envelhecimento demográfico do país na sustentabilidade da segurança social. Se é certo que Portugal tem sido apresentado como um país com um elevado grau de proteção social da população imigrante (Silva, 2005 e Peixoto et al., 2011), podendo considerar-se dentro dos melhores padrões internacionais, também é certo que as motivações para os fluxos imigratórios para o país não têm estado associadas a essas características, devendo atender-se que – noutra abordagem e talvez mais relevante – mais do que perceber se os direitos e deveres estabelecidos no enquadramento legal induzem a um aumento da imigração, é importante compreender qual o saldo dessa relação para o país ou a contribuição financeira líquida dos imigrantes para o sistema de segurança social. Os estudos desenvolvidos por este Observatório nesta vertente mostram claramente que o saldo tem sido muito favorável para o país com a população estrangeira residente, mesmo em anos de crise económica e financeira vivida em Portugal em que aumentaram os beneficiários de prestações sociais: em 2014, por exemplo, o saldo das contribuições e prestações sociais relativas à população de nacionalidade estrangeira estabilizou em +309 milhões de euros, tendo dez anos antes sido de +420 milhões de euros (Oliveira e Gomes, 2016: 124).