1. Estudos sobre imigração e saúde

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1. Estudos sobre imigração e saúde

O estudo da relação entre imigração e saúde tem sido visto sob duas perspetivas fundamentais: por um lado, na vertente do estado de saúde dos migrantes por comparação aos nacionais dos países de acolhimento e do seu acesso aos cuidados de saúde nos países de destino; e, por outro lado, quanto à migração de profissionais de saúde para os sistemas nacionais de saúde dos países de destino.

No âmbito da primeira perspetiva, o maior impacto dos fluxos migratórios coloca-se ao nível do estado de saúde das populações e da pressão exercida pelo fenómeno migratório nas dinâmicas dos serviços de saúde.

Os estudos que analisam indicadores de estado de saúde percecionada, comparando imigrantes com autóctones de países de acolhimento, identificam que os imigrantes tendem numa fase inicial (de recém-chegados a países de destino) a reportar melhor estado de saúde que os autóctones ou que populações da mesma origem que residem nos países de acolhimento há mais tempo; passando numa fase posterior, acumulados anos de residência na sociedade de acolhimento, a reportar ou percecionar níveis de saúde inferiores aos da população nativa. Em algumas publicações, esse efeito permanece mesmo com o controle, por via de análise estatística, de fatores interferentes tais como a idade, o género e o estatuto socioeconómico (e.g., Mladovsky, 2007, p. 9; Davies, Basten e Frattini, 2009, p. 3; Nielsen e Krasnik, 2010, p. 357; Jayaweera, 2011, p. 2; OMS, 2014 [2013], p. 44).

Os dados disponíveis sugerem que, uma vez chegados, os imigrantes sofrem de maior morbilidade no que concerne a um leque de doenças (Rechel et al., 2013, p. 1235). O chamado “efeito do imigrante saudável”, que será em parte fruto da própria migração ser um processo seletivo, tende pois a desaparecer, seja nas gerações subsequentes (Mladovsky, 2007, p. 9) ou, de modo mais acelerado, instalando-se o declínio da saúde dos imigrantes logo após a sua chegada, em função do próprio processo migratório e das condições de integração – económicas, laborais, habitacionais e sociais - que enfrentam nas sociedades de acolhimento (Pfarrwaller e Suris, 2012).

Em Portugal tem sido demonstrado a partir de estudos que recorrem aos Inquéritos Nacionais de Saúde à População em Portugal (Dias, et al., 2008, p. 1) que os indicadores de saúde dos imigrantes são mais favoráveis do que os dos autóctones, mesmo após controlado o efeito das diferentes estruturas etárias, não sendo alheio a este resultado o facto de Portugal ser ainda um país relativamente recente de imigração quando comparado com outros países de mais antiga experiência migratória e para os quais os resultados da perceção de saúde dos imigrantes são inferiores aos autóctones (OCDE, 2015). Verificam-se também para o caso português diferenças em função das origens das populações imigrantes.

Tem sido demonstrado por vários estudos que o estado de saúde das populações imigrantes é condicionado por diversos fatores interdependentes. A maior parte das investigações e dos indicadores de saúde disponíveis apontam no sentido de que alguns grupos de imigrantes tendem a apresentar uma maior vulnerabilidade a doenças e problemas de saúde. As condições em que a migração se processa e os determinantes da saúde associados ao processo migratório ou à integração já na sociedade de acolhimento refletem muitas vezes desigualdades sociais que contribuem para uma maior vulnerabilidade à doença: e.g. situação socioeconómica, situação no mercado de trabalho – trabalhos mais arriscados e perigosos, mais exigentes -, condições de habitação, estilos de vida, dificuldades no contacto com sistemas administrativos e legais. Simultaneamente, a estigmatização dos imigrantes ou a discriminação com base na sua origem étnica ou racial têm muitas vezes impacto no estado de saúde e bem-estar das populações imigrantes nos contextos de acolhimento.

O acesso e a utilização dos cuidados de saúde pelas populações imigrantes são reconhecidos, por sua vez, como importantes indicadores de integração nas sociedades de acolhimento, sendo ainda fundamentais para enquadrar a morbilidade nestas populações, a sua saúde e bem-estar. Neste contexto, a gestão da saúde e promoção do bem-estar das populações imigrantes tem implicado que os sistemas de saúde assegurem acessibilidade e respondam adequadamente às suas necessidades. Contudo, diversos estudos têm concluído que as populações imigrantes não são muitas vezes abrangidas ou adequadamente abrangidas pelos sistemas de saúde dos países de acolhimento (Mladovsky, 2007, p. 9-10; Davies, Basten e Frattini, 2009, p. 3).

Neste âmbito, a investigação na área da saúde e imigração tem procurado compreender as condições de acesso e utilização dos serviços de saúde, identificando os fatores que promovem ou inibem a sua utilização, considerando a influência tanto de fatores de natureza individual (associados ao imigrante: e.g. características sociodemográficas, atitudes e crenças face à saúde e à doença, determinantes culturais que influenciam as práticas de saúde, conhecimento de deveres e de direitos em saúde, dificuldades linguísticas) como fatores de natureza contextual ou estrutural da sociedade de acolhimento (e.g. contextos legais e institucionais do acesso e da prestação dos cuidados de saúde a imigrantes, papel dos profissionais e das características dos serviços de saúde, organização e capacidade de resposta destes serviços às necessidades da população imigrante) (e.g., Scheppers et al., 2006, p. 235; Mladovsky, 2007, p. 9; Dias, Severo e Barros, 2008, p. 1).

Permanecem, assim, obstáculos ao providenciar de bons cuidados de saúde para os imigrantes, tais como a existência, desde logo, de privação social e experiências traumáticas – que possivelmente incluirão, nos casos dos refugiados e dos indocumentados, a própria viagem para o país onde se encontram –, mas também de barreiras legais – como será o caso da inexistência de cobertura de saúde –, barreiras de comunicação – tanto linguísticas como culturais, incluindo até diferenças no entendimento da doença e do tratamento –, falta de informação – nomeadamente de familiaridade com os sistemas de saúde, pelo lado dos pacientes, e de acesso ao historial clínico, por parte dos prestadores de cuidados de saúde – e desconfiança e outras atitudes negativas de parte a parte (Mladovsky, 2007, p. 9; Davies, Basten e Frattini, 2006, p. 3; Pottie et al., 2011, p. E824; Priebe et al., 2011, p. 1). Estas e outras razões levam a OMS a concluir, no seu relatório recente sobre as barreiras no acesso aos serviços de saúde enfrentadas pelos imigrantes – em particular pelos que sofrem de pobreza e exclusão social – que estas não apenas têm especificidade própria como a sua interação com outras formas de privação ameaça afetar desproporcionalmente alguns imigrantes em particular (OMS, 2017).

Vários autores (e.g., Nielsen e Krasnik, 2010, p. 357) argumentam serem necessárias políticas de saúde explicitamente orientadas para os imigrantes para que se consiga reduzir as desigualdades, o que passará não apenas pela expansão dos direitos legais, mas também por tornar os sistemas de saúde mais amigos dos imigrantes de outras formas, tais como superando os hiatos culturais e linguísticos, melhorando as competências interculturais dos profissionais e organizações de saúde, aumentando a literacia em saúde dos imigrantes (Rechel et al., 2013, p. 1235), e levando em conta a origem da pessoa e a voluntariedade ou não da sua experiência migratória (Pottie et al., 2011, p. E824). Outros estudos mostram que vários fatores de stress ligados ao processo de integração (e.g. discriminação, estatuto legal e conflito linguístico) aumentem a probabilidade de a pessoa reportar menor bem-estar ou pior estado de saúde. Por sua vez, o apoio social – de pares, familiares e correligionários – tem um efeito de sentido contrário e oferece alguma proteção (Finch e Vega, 2003). As boas práticas na prestação de cuidados de saúde a imigrantes passarão pelo reconhecimento do direito dos imigrantes a cuidados de saúde individualizados, de qualidade, que respeitem as suas culturas, que sejam providenciados quando necessário, e que se encontrem adaptados às suas necessidades em termos de comunicação, atitudes, empatia e não-discriminação (Devillé et al., 2011, pp. 1 e 7). Noutra perspetiva, as boas práticas nesta área deverão ser caracterizadas pela flexibilidade organizacional num contexto de disponibilidade de tempo e outros recursos, pela acessibilidade de bons serviços de interpretação, pelo trabalho com as famílias e os serviços sociais, pela consciencialização da diversidade cultural nos prestadores de cuidados de saúde, pela disponibilização de programas educacionais e material informativo aos imigrantes, e pela existência de diretrizes claras quanto aos direitos dos diferentes grupos de imigrantes (Priebe et al., 2011, p.1).

Mas os imigrantes também podem assumir um papel enquanto prestadores de cuidados de saúde, nomeadamente para suprir carências ao nível da oferta de profissionais de saúde. Ao nível da União Europeia, antecipa-se que em 2020 as necessidades de profissionais de saúde que não poderão ser supridas pela oferta interna venham a totalizar um milhão de postos de trabalho (Rechel et al., 2013, p. 1235), havendo por isso autores que considerem este um dos assuntos globais mais urgentes (Aluttis, Bishaw e  Frank, 2014). Baganha, Ribeiro e Pires (2002), com base em resultados de inquéritos oficiais realizados pelo Ministério da Saúde de Portugal, em torno da viragem do milénio, fazem ver que em 2000 havia, em resultado de um surto de crescimento registado durante a década precedente, 42‰ de enfermeiros e enfermeiras estrangeiras. Os enfermeiros e enfermeiras responsáveis por este crescimento tinham origem sobretudo em Espanha. No contexto da Península Ibérica, em 2010 tanto Portugal como Espanha eram simultaneamente países de origem e de destino de profissionais de saúde migrantes (Masanet, 2010, pp. 264-265). As motivações de emigrantes e imigrantes nesta vertente são similares (Ribeiro et al., 2014). Em virtude destes novos fluxos de entrada e saída de profissionais de saúde de vários países do mundo, tem surgido mais recentemente estudos que atendem a esta outra perspetiva da relação entre migrações e saúde.