Embora a Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU, 1948) apenas se refira à língua no seu artigo 2.º para afirmar que esta não pode constituir fundamento de distinção na aplicação dos direitos humanos fundamentais, noutros documentos internacionais verificam-se disposições mais específicas quanto ao ensino da língua dos países de acolhimento e das línguas maternas. A Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das Suas Famílias (ONU, 1990), é um exemplo disso. Embora esta seja uma Convenção que se encontra por ratificar pelos países do mundo que se assumem como destinos de imigração, entre os quais todos os Estados-membros da União Europeia (incluindo Portugal), nos números dois e três do seu artigo 45º estipula-se que (na tradução do Gabinete de Documentação e Direito Comparado da Procuradoria-Geral da República): Os Estados de emprego devem prosseguir uma política, se for caso disso em colaboração com os Estados de origem, que vise facilitar a integração dos filhos dos trabalhadores migrantes no sistema local de escolarização, nomeadamente no que respeita ao ensino da língua local, e que Os Estados de emprego devem esforçar-se por facilitar aos filhos dos trabalhadores migrantes o ensino da sua língua materna e o acesso à cultura de origem e, neste domínio, os Estados de origem devem colaborar sempre que tal se mostre necessário. Não obstante encontrar-se pendente a ratificação desta convenção, o espírito destas disposições em particular já fez o seu caminho ao nível da União Europeia.
Em termos do seu posicionamento face às questões da língua, a União Europeia é marcadamente pluralista e favorece o multilinguismo. O papel da língua nas relações entre povos tem um claro predecessor, fora ainda do âmbito da migração, na Convenção Cultural Europeia de 1954 (CETS 018). Esta, visando uma união mais estreita e a compreensão mútua, defende uma aprendizagem recíproca de línguas, história e civilização entre os povos das partes signatárias.
A aprendizagem da língua do país de acolhimento é assumida como um requisito fundamental no processo de integração. Num Eurobarometro Qualitativo (2011) acerca da integração de imigrantes, tanto o público em geral como os imigrantes declararam percecionar a língua como uma das principais barreiras à integração nas sociedades europeias e, consequentemente, a aprendizagem ou domínio da língua da sociedade de acolhimento pelos imigrantes assume-se como um aspeto fundamental de integração. No estudo europeu Immigrant Citizens Survey (2012), mais de 90% dos imigrantes inquiridos defenderam que os cursos de aprendizagem da língua do país onde se encontram tiveram um efeito muito positivo na sua integração, nomeadamente porque os ajudou a envolverem-se mais com a comunidade local onde se encontravam e a adquirir vocabulário útil para o seu trabalho.
A Agenda Comum para a Integração (COM(2005) 389 final) veio estabelecer o enquadramento para a integração de nacionais de países terceiros na União Europeia, sugerindo formas de operacionalizar o disposto nos Princípios Básicos Comuns, cujo primeiro objetivo é, segundo a respetiva comunicação à imprensa, “assistir os Estados-Membros na formulação de políticas de integração, proporcionando-lhes um guia não vinculativo” (Documento 14615/04 do Conselho, de 19 de novembro de 2004). Atendendo ao tema desta newsletter, é o quarto princípio básico comum que aqui deve ser destacado. Este estabelece – adotando e reforçando os termos estipulados nos pontos 11 e 12 do artigo 19.º da Carta Social Europeia revista de 1996 (CETS 163) – que: O conhecimento básico da língua, da história e das instituições da sociedade de acolhimento é indispensável para a integração; proporcionar aos imigrantes a possibilidade de adquirir esse conhecimento básico é essencial para lograr uma integração bem-sucedida (COM(2005) 389 final). Contudo, este movimento não é unilateral, pois a respetiva comunicação à imprensa esclarece que: Deve ser posta a tónica na aquisição da língua e da cultura da sociedade de acolhimento, respeitando-se simultaneamente a língua e cultura dos próprios imigrantes e dos seus descendentes, enquanto elemento importante da política de integração Documento 14615/04 do Conselho, de 19 de novembro de 2004).
A aprendizagem da língua é assumida no contexto europeu como importante não apenas no país de acolhimento, como também nos países de origem dos imigrantes como uma forma de preparar a integração no país de destino. Conforme é realçado na Agenda Comum para a Integração será também necessário: Reforçar a vertente de integração nos procedimentos de admissão, por exemplo através de ações que antecedam a partida, como a distribuição de pacotes informativos e cursos de língua e de educação cívica no país de origem (COM(2005) 389 final).
O Comité de Ministros dos Estados-membros adotou, em fevereiro de 2008, uma recomendação sobre a promoção da integração de crianças migrantes que reconhece a desvantagem competitiva inerente a não ter por língua mãe a língua de instrução do país de acolhimento e propõe uma série de medidas, desde logo ao nível pré-escolar, para obviar a esse facto (CM/Rec(2008)4). Esta preocupação recebeu continuidade na versão revista da Agenda Europeia para a Integração dos Nacionais de Países Terceiros de 2011 (COM(2011) 455 final), em que se refere que as aulas de línguas para os pais, em articulação com a orientação escolar, aconselhamento e acompanhamento escolar dos filhos, são exemplos de ações úteis.
Mais recentemente (em 2016), o Plano de Ação sobre a Integração de Nacionais de Países Terceiros (COM(2016) 377 final) definido ao nível europeu, refere que ainda a existência de medidas de formação linguística que antecedam a partida dos imigrantes pode acelerar a sua integração no seu futuro ambiente de acolhimento, tendo a Comissão se comprometido a apoiar os Estados-membros no lançamento de ações deste tipo. O mesmo documento refere que a aprendizagem da língua é considerada crucial e, uma vez no país de destino, a formação relativa a este aspeto deve ser iniciada o mais cedo possível. Em termos concretos, a Comissão compromete-se a 1) providenciar avaliação e aprendizagem online através do apoio linguístico Erasmus+ e 2) apoiar eventos de aprendizagem entre pares relativos à avaliação linguística. Por outro lado, a Comissão encoraja os Estados-membros que acolham trabalhadores imigrantes a fornecerem formação linguística e apoia os países nesta oferta.
Num estudo recente com comparação de medidas e programas desenvolvidas por Estados-membros para uma melhor integração de nacionais de países terceiros (Pascouau, 2014) é percetível como a União Europeia integra diferentes abordagens nesta vertente. Se alguns países têm assumido o conhecimento da língua (tal como outros requisitos que induzem à formação cívica e de cidadania do país de destino) como um dos requisitos obrigatórios de integração pré-partida ou à entrada no país – caso da Holanda (desde 2006), França (desde 2007), Alemanha (desde 2007), Reino Unido (desde 2010) e Áustria (desde 2011) -; há outros Estados-membros, que numa posição intermédia, têm definido programas com esquemas informativos nos países de origem dos imigrantes (integrando também guias de introdução à língua do país de acolhimento) – caso da Áustria, Bélgica Flamenga, República Checa, Dinamarca, Grécia, Noruega e Suécia. No primeiro grupo de países quando os imigrantes não demonstram suficientes conhecimentos linguísticos são recomendados a frequentar sessões de formação na língua ainda no país de origem (sendo este um problema para algumas línguas que não dispõem de contextos de aprendizagem acessíveis em qualquer parte do mundo), sendo-lhes recusado ou adiado o reagrupamento familiar (exceção feita para a França) e a concessão do título legal que enquadra a entrada do cidadão nesses países europeus até realizarem novos testes de conhecimentos linguísticos e demonstrarem possuir os níveis mínimos requeridos.
Portugal não está claramente entre os Estados-membros que desenvolve programas de ensino da língua como um requisito à entrada e à integração dos imigrantes no país. Portugal surge no grupo de países da União Europeia em que a aprendizagem da língua é uma disposição de integração no país de acolhimento e de carácter voluntário para os imigrantes, sem prejuízo do domínio da língua portuguesa ser um requisito para momentos de transição do estatuto legal do migrante, nomeadamente para a autorização de residência permanente e o estatuto de longa duração, e para o acesso à nacionalidade portuguesa.