O aumento da esperança média de vida constitui um dos resultados mais notáveis do desenvolvimento socioeconómico dos países industrializados e de muitos países em vias de desenvolvimento (Machado e Roldão, 2010). Os discursos que colocam o envelhecimento demográfico como um problema social referem-se à simultaneidade do envelhecimento no topo e na base, ou seja, o aumento do número de idosos devido ao aumento da esperança média de vida e a diminuição do número de crianças e jovens devido à quebra da natalidade, com consequências ao nível do financiamento dos sistemas de proteção social e das respostas sociais e familiares.
Definir o conceito de idoso não é fácil uma vez que as condições de reformado e idoso se vão progressivamente dissociando (Fernandes, 2001; Mauritti, 2004), ou seja, velhice institucional (idade da reforma) e velhice objetiva (perda real de capacidades e autonomia) deixam de coincidir (Machado e Roldão, 2010: 22). Ora, o reconhecimento desse desfasamento leva-nos à noção de envelhecimento ativo que surgiu no domínio da gerontologia e foi depois adotada pelas Nações Unidas como princípio orientador de políticas públicas específicas e como mensagem cultural junto das suas populações. A noção abarca um conjunto alargado de aspetos que incluem as atividades domésticas, os cuidados a terceiros, o voluntariado, a participação em atividades de lazer e o prolongamento da atividade profissional (Avramov e Maskova, 2003).
Embora possamos falar em parâmetros comuns de envelhecimento e velhice, os idosos vivem a sua condição de diferentes formas e diferenciam-se nos meios sociais, nos enquadramentos familiares, nas sociabilidades, nos tempos livres, na saúde e nas condições socioeconómicas. Existem pois diferentes quadros sociais de envelhecimento (Casanova e outros, 2001). Neste âmbito, duas perspetivas de análise poderão ser consideradas: a geracional que acentua os efeitos da idade e a classista que aponta a diversidade das condições sociais com consequências na forma como os idosos vivem a velhice.
No que toca às migrações, o tema do envelhecimento pode ser analisado segundo dois olhares distintos e complementares:
(1) Por um lado, vários autores têm realçado o papel das migrações para atenuar os efeitos do envelhecimento demográfico dos países de acolhimento - no pressuposto das entradas serem superiores às saídas da população, e das entradas serem essencialmente constituídas por fluxos de pessoas em idade fértil e ativa.
Em 2000, o relatório da Divisão de População da Organização das Nações Unidas ‘Replacement Migration: is it a solution to declining and ageing populations?’ (ONU, 2000) definia migrações de substituição como a proporção de migrantes necessários para contrariar os declínios populacionais como o envelhecimento tendo mesmo apresentado uma estimativa dos saldos migratórios necessários em função das metas demográficas. Sendo um conceito alvo de críticas (Coleman, 2002), tem-se mantido amplamente usado na bibliografia internacional (Bouvier, 2001; Bijak e Kupiszewski, 2007; Keely, 2009; Bijak, Kupiszewska e Saczuk, 2013) e nacional (Rosa et al., 2004; Abreu e Peixoto, 2009; Peixoto et al., 2017) e novas reflexões têm surgido sobre os desafios contemporâneos da demografia e sua relação com a imigração.
A preocupação fundamental que estruturou o relatório da ONU foi como manter os benefícios e cuidados de saúde aos idosos que se generalizaram nos países industrializados durante a segunda metade do século XX, período em que esses estados beneficiaram de dimensões populacionais e estruturas etárias que resultavam de níveis moderados de fertilidade e níveis de mortalidade reduzidos (ONU, 2000: 98). Essa conjuntura demográfica favorável permitiu, em grande parte, que fossem concedidos aos reformados benefícios generosos a custos comparativamente baixos para os trabalhadores e empregadores (idem, ibidem). Contudo, essas estruturas etárias não eram permanentes, mas apenas transitórias (idem, ibidem). Ou seja, como escreve David Coleman, os rácios de dependência tidos como estandardizados, foram na realidade apenas uma benesse conjuntural da transição demográfica e associada a uma quebra de mortalidade anterior à quebra da natalidade (Coleman, 2000: 32). Verifica-se, porém, a impossibilidade de manter estes níveis de estatísticas vitais, sendo que para alguns autores as sociedades não os voltarão a experienciar (Coleman, 2002: 590). Coleman objeta, por outro lado, que o relatório da ONU induziu à ideia errónea de que (a) a população e a sua estrutura deveriam ser mantidas nos seus níveis de então e de que (b) os níveis de imigração calculados para o cenário que tinha explicitamente esse objetivo deveriam ser encorajados pelos países em questão (Coleman, 2000: 2-3). Contudo, como é reconhecido no próprio relatório da ONU, contrariar o declínio da população exigiria, em alguns países, níveis de imigração muito superiores aos historicamente registados e contrariar o envelhecimento das populações e manter os índices de sustentabilidade potencial (potential support ratios: isto é, o número de pessoas com idades entre os 15 e os 64 por cada pessoa com 65 ou mais anos [ONU, 2015: 112]) requereria um número de imigrantes extraordinariamente elevado (ONU, 2000: 4), havendo na realidade limitações também na capacidade rejuvenescedora das migrações (idem: 12-13).
Rosa (2012) no seu ensaio sobre o envelhecimento demográfico, defende que as sociedades em processo de envelhecimento e declínio populacional confrontam-se com uma alternativa fundamental que é promover ou não a imigração. No primeiro caso, a população declinará em comparação com outros territórios; no segundo, a população autóctone declinará no interior do próprio território. A escolha pode pois parecer dramática, mas os resultados convergem para a irrelevância ou descaracterização da cultura de referência (Rosa, 2012: 39). A autora questiona então que – a ser garantido respeito pelos direitos fundamentais – este seja um problema real (Rosa, 2012: 69) e reconhece que, em virtude de ser estruturada por tais receios, a discussão resvala para fora do campo da demografia (idem, ibidem: 80-81). O mesmo argumento é apresentado por outros autores nacionais: Abreu e Peixoto (2009) alertam também que ‘para identificar as possíveis formas de mitigar as consequências futuras do processo de envelhecimento populacional atrás analisado importa começar por assinalar que esta é uma questão não só demográfica como económica, social e política’ (Abreu e Peixoto, 2009: 728).
Exatamente neste contexto, as contribuições mais recentes dos estudos acerca das migrações de substituição integram variáveis não demográficas nas projeções (e.g. crescimento económico, emprego), sendo as estimativas calibradas por valores mais razoáveis em função também de cenários de desenvolvimento económico ou de mudança social (Peixoto et al, 2017: 12). Neste âmbito é assumido também nos estudos mais recentes que o ajuste demográfico das sociedades contemporâneas depende da definição de políticas multidimensionais que integrem tanto ações de promoção da natalidade, como de participação laboral, de integração de imigrantes, e ainda de revisão dos sistemas de proteção social (Peixoto et al, 2017: 41). Alonso (2009) conclui que a imigração só por si não traz o efeito desejado, devendo o seu contributo ser integrado num pacote de medidas mais alargado, que terá de ser definido e adaptado país a país. O mesmo alertam Bijak e colaboradores (2007), realçando que a combinatória de políticas necessária para enfrentar os desafios varia caso a caso, não existindo uma solução universal para os desafios demográficos. Bijak et al (2013) analisaram, por exemplo, o impacto das migrações internacionais sobre a dimensão e as características da força de trabalho em vários países europeus, focando neste caso nas necessidades de força de trabalho ou a manutenção de rácios de população ativa sustentáveis.
‘Num dos estudos nacionais mais recentes acerca deste tema, Peixoto e colaboradores (2017) realizaram para Portugal um exercício similar ao efetuado pela ONU (2000), pretendendo nomeadamente estimar quais os quantitativos de imigrantes que seriam necessários para deter o declínio e o envelhecimento populacional do país, mas integraram-no numa abordagem interdisciplinar que aprofunda conexamente questões relativas às exigências do mercado de trabalho e ao impacto na Segurança Social (Peixoto et al., 2017: 11). As suas conclusões confirmam o anteriormente estabelecido quer a nível internacional (ONU, 2000), quer a nível nacional (Rosa et al., 2004: 114-116), nomeadamente que as migrações de substituição só por si não são solução para os ‘problemas’ do declínio e do envelhecimento de Portugal (Peixoto et al., 2017: 268). Antes de mais, porque simplesmente travar o declínio exigiria que o país mantivesse, de forma sustentada, saldos migratórios ao nível dos anos de 1990. Contudo, caso o país desejasse manter a população em idade ativa, os valores de saldo migratório a assegurar doravante teriam de corresponder aos máximos históricos registados em 2000 e 2001, embora uma vez mais tal não bastaria para travar o envelhecimento da população. Manter constante o índice de sustentabilidade potencial exigiria saldos migratórios de tal forma elevados que seriam considerados totalmente irrealistas (Peixoto et al., 2017: 259-260). Peixoto e colaboradores (2017) ensaiaram ainda o efeito que diversas estruturas etárias possíveis teriam sobre a eficiência da imigração, considerando que imigrantes mais jovens não apenas teriam um efeito direto maior no combate ao declínio e envelhecimento da população, como também contribuiriam para a natalidade (Peixoto et al., 2017: 210).
(2) A segunda dimensão do olhar sobre o tema da imigração e envelhecimento deve atender à sedentarização de migrantes, fenómeno que é indissociável das migrações internacionais, sendo o envelhecimento dos migrantes uma consequência direta desse processo de sedentarização e simultaneamente uma causa, tal como enquadra Fernando Luís Machado na introdução ao volume 10 da Revista Migrações deste Observatório das Migrações dedicada ao tema da Imigração e Envelhecimento Ativo (2012). O organizador deste número da Revista refere ainda que, sendo um fenómeno novo nos países europeus ocidentais, é já visível em países como a França, a Alemanha, o Reino Unido e a Suíça, tendo só recentemente começado a emergir em Portugal. Ora, ‘se nos países do centro e norte da Europa a primeira literatura sociológica sobre migrantes idosos aparece com o início do novo milénio (Témime, 2001; Aggoun, 2002; Jovelin, 2003; Bolzman e outros, 2006; Warnes e Williams, 2006; White, 2006), em Portugal é já na presente década que são publicados os dois primeiros estudos sobre o tema (Machado e Roldão, 2010; Marques e Ciobanu, 2012). Antes disso, alguns trabalhos no âmbito da demografia, sem analisarem os migrantes idosos como categoria social, tinham abordado o tema do seu envelhecimento (Peixoto e outros, 2002; Rosa e outros, 2004)’ (Machado org., Revista Migrações, 2012: 14). Ora, o envelhecimento dos migrantes coloca o dilema do seu eventual regresso aos países de origem, sendo várias as razões para ficar nos países de acolhimento ou regressar aos países de origem. À medida que se prolonga o tempo, a ideia de permanência tende a suplantar a de regresso (Bolzman e outros, 2006) e o retorno torna-se um eterno mito (Monteiro, 1994). Uma terceira opção é a da circulação entre os dois países (Aggoun, 2002).
Mas, os que envelhecem no destino não são o único grupo de migrantes idosos, sendo de referir os que migram já reformados ou com idades mais avançadas (e.g. migração de reformados dos países do norte para os países do sul da Europa Ocidental, Portugal incluído). As circunstâncias e as motivações dos dois grupos são diferentes, embora as implicações da sua presença nos países de acolhimento sejam as mesmas, ou seja, a maioria das necessidades são comuns às dos idosos em geral. Importa, no entanto, considerar necessidades específicas ditadas por diferenças culturais, maior ou menor familiaridade com as instituições e os contextos sociais e implicações diferenciadas para o sistema de segurança social e o sistema de saúde (Oliveira e Gomes, 2018) do país recetor. O primeiro estudo sobre o tema em Portugal (Machado e Roldão, 2010) destaca ainda o grupo de pessoas idosas, principalmente mulheres, que migram para se juntarem a filhos e netos nos países de destino.
Condições socioeconómicas e relações de sociabilidade diversas distinguem os migrantes idosos que podem envelhecer mais integrados ou mais à margem da sociedade de acolhimento (Machado, org., Revista Migrações, 2012: 17). Assim, o estatuto socioeconómico e as sociabilidades a par da condição de saúde, constituem dimensões fundamentais para mapear os quadros de envelhecimento dos idosos em geral (como referido previamente) e dos idosos migrantes em particular e para equacionar a questão do envelhecimento ativo. Em suma, não há uma, mas várias velhices e, no que de específico elas possam ter, também não há uma, mas várias velhices migrantes (ver Tipologia de Velhices Migrantes in Machado e Roldão, 2010).