Enquadramento histórico
Tendo o catolicismo assumido uma ação assimilacionista das religiões populares da antiga Lusitânia (Leite de Vasconcelos, J. 1897), uma ‘ação traumática’ durante a inquisição (Matoso in J. Serrão, 1992) e, já no século XX, uma ‘simbiose com o regime autoritário’ (Farias, M. e Santos, T., 1999), Portugal tornou-se até relativamente recente ‘impermeável à inovação’ e diversidade religiosa (Espírito Santo, 1993), com a exceção das comunidades cristãs da Reforma Protestante implantadas na segunda metade do séc. XIX.
Embora tenham existido algumas iniciativas de cariz ecuménico no país, nomeadamente com a criação do Conselho Português das Igrejas Cristãs (COPIC) em 1962, o diálogo inter-religioso só assume visibilidade pública em 1971, em especial com a organização do colóquio “Liberdade Religiosa e Liberdade Humana”, realizado na Figueira da Foz, que reuniu cristãos, muçulmanos e bahá’is para debaterem a tolerância e a liberdade religiosa em Portugal.
O regime democrático trouxe também maior abertura relativamente à pluralidade religiosa e assistiu à constituição de comunidades não cristãs formalmente organizadas, como a hindu e a islâmica, reforçadas pela imigração das décadas de 1980 e 1990, essencialmente de países africanos de língua portuguesa e de descendentes de imigrantes da Ásia.
Já na primeira década do séc. XXI, os novos fluxos migratórios oriundos do Brasil, Europa de Leste e Ásia contribuíram decisivamente para a diversificação do panorama religioso em Portugal, nomeadamente com a implantação de inúmeras igrejas evangélicas/neopentecostais, cristãs ortodoxas e centros budistas e a expansão de outras comunidades religiosas muçulmanas.
Enquadramento legislativo
Ao nível legislativo, o início do século XXI foi marcado pela promulgação de uma nova Lei de Liberdade Religiosa (Lei n.º 16/2001, de 22 de junho) em Portugal, que instituiu o enquadramento legal das religiões ou confissões estabelecidas há pelo menos 30 anos no país e/ou reconhecidas internacionalmente há pelo menos 60 anos. Esta lei estabelece uma separação clara entre o Estado e as igrejas ou as comunidades religiosas, definindo igualmente uma colaboração entre as mesmas e o Estado, dentro dos princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem, tendente à promoção dos direitos humanos, ao desenvolvimento integral de cada pessoa e à prossecução dos valores da paz, da liberdade, da solidariedade e da tolerância.
Uma das consequências mais significativas da entrada em vigor da Lei n.º 16/2001, de 22 de junho, foi a mobilização de um grupo de líderes religiosos que, em conjunto com as capelanias hospitalares, trabalhou no sentido de implementar um sistema igualitário e não discriminatório de assistência espiritual nos hospitais. Essa dinâmica partiu de uma série de encontros inter-religiosos do Hospital de S. João, no Porto, em 2001, e prosseguiu ao longo da década com a Conferência Bianual da Rede Europeia das Capelanias Hospitalares, promovida em Lisboa em 2006 com a presença de sessenta representantes de diversas religiões, e uma celebração ecuménica no Hospital de S. João, em 2007, que marcou a abertura da I Jornada Ecuménica Nacional nos Hospitais. Finalmente, em 2009, foi promulgado o Decreto-Lei n.º 253/2009, que regulamenta a assistência espiritual e religiosa nos hospitais, e constituído o Grupo de Trabalho Inter-religioso de Assistência Espiritual nos Hospitais a nível nacional, que integra elementos da Aliança Evangélica Portuguesa, Comunidade Hindu, Comunidade Islâmica de Lisboa, Comunidade Israelita de Lisboa, Conselho Português das Igrejas Cristãs, Igreja Católica Romana, Patriarcados Cristãos Ortodoxos Grego e Búlgaro e União Budista Portuguesa.
Mais recentemente, ainda neste âmbito da Religião no enquadramento jurídico nacional, importa destacar que a Lei da Nacionalidade integra uma provisão relativa aos descendentes de judeus sefarditas portugueses que os dispensa, para efeitos de naturalização, dos requisitos de residência legal no território português há pelo menos seis anos e de conhecimento suficientemente da língua (n.º 7 do artigo 6.º da Lei Orgânica n.º 9/2015, de 29 de Julho). Como é explicado no Decreto-Lei n. 30-A/2015, designam-se de judeus sefarditas os descendentes das antigas e tradicionais comunidades judaicas da Península Ibérica, tendo este enquadramento sido criado para permitir o exercício de direito ao retorno, mediante a aquisição da nacionalidade, daqueles que apesar “das perseguições e do afastamento do seu território ancestral” conservaram “ao longo de gerações os seus apelidos de família, objetos e documentos comprovativos da sua origem portuguesa, a par de uma forte relação memorial que os leva a denominarem-se a si mesmos como judeus portugueses ou judeus da Nação portuguesa.”
Enquadramento institucional
Na sequência da definição da Lei da Liberdade Religiosa em 2001, e ao abrigo do Decreto-Lei n.º 308/2003 de 10 de dezembro que procedeu à sua regulamentação, foi constituída a Comissão de Liberdade Religiosa (mais em http://www.clr.mj.pt/), por Despacho da Ministra da Justiça, sendo designado o primeiro presidente dessa Comissão em 2004 com a Resolução do Conselho de Ministros n.º3/2004. Este órgão consultivo do Governo e da Assembleia da República tem por funções apresentar pareceres e propostas sobre a aplicação da Lei da Liberdade Religiosa, nomeadamente sobre projetos de acordos entre o Estado e as comunidades religiosas, sobre o reconhecimento jurídico de Pessoas Coletivas Religiosas e de radicação de Confissões Religiosas. O mesmo órgão está ainda encarregue de ditar a composição da Comissão do Tempo de Emissão das Confissões Religiosas, uma nova entidade que em conjunto com a RTP atribui e distribui os tempos de emissão nos programas "A Fé dos Homens" e "Caminhos", segundo critérios de representatividade das várias confissões.
Em 2005, por Resolução do Conselho de Ministros n.º 4/2005 é ainda criada a Estrutura de Missão para o Diálogo com as Religiões, a funcionar na dependência do membro do Governo com a tutela das questões da imigração e minorias étnicas. Esta estrutura de missão viria a ser integrada no então ACIDI, IP (Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural), através do Decreto-Lei n.º 167/2007 de 3 de maio, tendo por isso passado a integrar nas atribuições desse Instituto Público o diálogo inter-religioso entre os diversos agentes e instituições da sociedade portuguesa. A atribuição de promover o diálogo intercultural e inter-religioso, designadamente através da “valorização da interação positiva e da diversidade cultural, num quadro de consideração mútua e de respeito pelas normas legais e constitucionais”, mantém-se no atual enquadramento legal do Alto Comissariado para as Migrações (ACM, IP) previsto no Decreto-Lei n.º 31/2014, de 27 de fevereiro. Neste âmbito, o ACM tem promovido encontros inter-religiosos, realizado ações de informação e sensibilização (e.g. concursos de fotografia, traduções), bem como disponibilizado recursos (e.g. módulos de formação, guiões de visitas a lugares de culto de diversas confissões, textos de reflexão sobre diálogo inter-religioso, guias didáticos) e materiais (e.g. brochuras, calendários e desdobráveis) que contribuem para um conhecimento mais esclarecido das várias matrizes culturais e religiosas das comunidades residentes em Portugal.