2. Enquadramento institucional e normativo da imigração e línguas

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2. Enquadramento institucional e normativo da imigração e línguas

Perspetiva Internacional

Embora a Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU, 1948) apenas se refira à língua no seu artigo 2.º para afirmar que esta não pode constituir fundamento de distinção na aplicação dos direitos humanos fundamentais, noutros documentos internacionais verificam-se disposições mais específicas quanto ao ensino da língua dos países de acolhimento e das línguas maternas.

Em termos do seu posicionamento face às questões da língua, a União Europeia é marcadamente pluralista e favorece o multilinguismo. O papel da língua nas relações entre povos tem um claro predecessor, fora ainda do âmbito da migração, na Convenção Cultural Europeia firmada no seio do Conselho da Europa em 1954 (CETS 018). Esta, visando uma união mais estreita e a compreensão mútua, defende uma aprendizagem recíproca de línguas, história e civilização entre os povos das partes signatárias. Por sua vez, a Diretiva do então Conselho das Comunidades Europeias, de 25 de Julho de 1977, relativa à escolarização dos filhos dos trabalhadores migrantes (77/486/CEE), prevê que os Estados-membros garantam, na escolaridade obrigatória, medidas adequadas tendo em vista a promoção do ensino da língua e cultura materna aos menores a cargo de migrantes intracomunitários.

Relativamente à recomendação do comité de ministros do Conselho da Europa aos Estados-membros sobre línguas modernas emitida em 1982 (R(82)18), poder-se-á destacar desde logo o facto de deixar claro o espírito de reciprocidade que anima esta produção documental, nomeadamente ao estipular que a aprendizagem de línguas deve capacitar as pessoas não apenas tratar dos seus assuntos quotidianos quando estiverem noutro país, mas também capacitá-las a ajudar estrangeiros que estejam no país da pessoa em questão a tratar dos assuntos quotidianos deles. De igual modo, no que respeita explicitamente aos migrantes e suas famílias, o texto insta os Estados-membros a promover infraestruturas, professores e cooperação internacional que levem ao desenvolvimento das suas competências nas línguas materna e de acolhimento.

Volvida década e meia, em 1998, o comité de ministros do Conselho da Europa emitiu nova recomendação sobre línguas modernas aos Estados-membros (R(98)6). Do conteúdo desta poder-se-á destacar o incentivo a que os Estados-membros persigam políticas de educação que desenvolvam o respeito dos aprendentes por outras formas de vida, e promovam a disseminação do plurilinguismo.

Em 2001 é publicada pela assembleia parlamentar do Conselho da Europa a Recomendação 1539 (2001), que, além de estabelecer a efeméride que serve de pretexto a esta newsletter, esclarece que não são apenas as línguas europeias que devem ser celebradas, mas as do mundo inteiro, incluindo todas as línguas e culturas presentes no continente europeu.

Por sua vez, a Resolução do Parlamento Europeu sobre a integração dos imigrantes na Europa, através de escolas e de um ensino multilingues (2004/2267(INI)) afirma o direito das crianças filhas de imigrantes, independentemente do estatuto legal das suas famílias, à aprendizagem das línguas maternas e de acolhimento.

Em 2005 a Agenda Comum para a Integração (COM(2005) 389 final) veio estabelecer o enquadramento para a integração de nacionais de países terceiros na União Europeia, sugerindo formas de operacionalizar o disposto nos Princípios Básicos Comuns (14615/04 (Presse 321)). O quarto destes princípios estipula, adotando e reforçando os termos estipulados nos pontos 11 e 12 do artigo 19.º da Carta Social Europeia revista de 1996 (CETS 163), que: O conhecimento básico da língua, da história e das instituições da sociedade de acolhimento é indispensável para a integração; proporcionar aos imigrantes a possibilidade de adquirir esse conhecimento básico é essencial para lograr uma integração bem-sucedida (COM(2005) 389 final).

Esta orientação para os Estados-membros era complementada ainda pela recomendação de que deve ser posta a tónica na aquisição da língua e da cultura da sociedade de acolhimento, respeitando-se simultaneamente a língua e cultura dos próprios imigrantes e dos seus descendentes, enquanto elemento importante da política de integração (14615/04 (Presse 321)).

A aprendizagem da língua é assumida no contexto europeu como importante não apenas no país de acolhimento, como também nos países de origem dos imigrantes, como forma de preparar a integração no país de destino. Conforme é realçado na Agenda Comum para a Integração será também necessário: Reforçar a vertente de integração nos procedimentos de admissão, por exemplo através de ações que antecedam a partida, como a distribuição de pacotes informativos e cursos de língua e de educação cívica no país de origem (COM(2005) 389 final).

É também de referir que na primeira Comissão Barroso existiu uma pasta do multilinguismo, autonomizada da pasta da educação e cultura, tendo estado a cargo do comissário Leonard Orban. O principal foco desta pasta foi a promoção das línguas como meios de fomentar a mobilidade dos trabalhadores e a competitividade das empresas.

O Comité de Ministros dos Estados-membros do Conselho da Europa adotou, em fevereiro de 2008, uma recomendação sobre a promoção da integração de crianças migrantes que reconhece a desvantagem competitiva inerente a não ter por língua mãe a língua de instrução do país de acolhimento, propondo neste âmbito uma série de medidas, desde logo ao nível pré-escolar, para obviar a esse facto (CM/Rec(2008)4). Esta preocupação recebeu continuidade na versão revista da Agenda Europeia para a Integração dos Nacionais de Países Terceiros de 2011 (COM(2011) 455 final), em que se refere que as aulas de línguas para os pais, em articulação com a orientação escolar, aconselhamento e acompanhamento escolar dos filhos, são exemplos de ações úteis.

Um estudo comparado de 2014, acerca de medidas e programas desenvolvidas por Estados-membros para uma melhor integração de nacionais de países terceiros (Pascouau, 2014), torna evidente como a União Europeia integra diferentes abordagens nesta vertente. Se alguns países têm assumido o conhecimento da língua (tal como outras condições) como um dos requisitos obrigatórios de integração pré-partida ou à entrada no país (e.g. Holanda, França, Alemanha, Reino Unido e Áustria), também há outros Estados-membros, que numa posição intermédia, têm definido programas com esquemas informativos nos países de origem dos imigrantes, integrando também guias de introdução à língua do país de acolhimento (caso da Áustria, Bélgica Flamenga, República Checa, Dinamarca, Grécia, Noruega e Suécia). Verifica-se ainda outra distribuição de países da União Europeia quanto à oferta de programas de aprendizagem da língua já no país de acolhimento como requisito obrigatório (e.g. Bélgica, Bulgária e Dinamarca) ou voluntário (e.g. Espanha, Finlândia, Grécia, Itália, Portugal, República Checa e Suécia) para os imigrantes residentes. Assim, resulta deste estudo a identificação de duas dicotomias de países a partir de quatro situações possíveis: (1) medidas pré-partida de aprendizagem da língua de acolhimento como requisito obrigatório à migração; (2) cursos de língua à chegada como requisito obrigatório à integração; (3) cursos voluntários de língua de acolhimento à chegada; e (4) países que não impõem nem facultam cursos de língua de acolhimento -, evidenciando a diversidade europeia e a situação de Portugal por comparação aos demais Estados-membros.

Portugal não está claramente entre os Estados-membros que desenvolve programas de ensino da língua como um requisito à entrada e à integração dos imigrantes no país. Surge antes no grupo de países da União Europeia em que a aprendizagem da língua é uma disposição de integração no país de acolhimento e de caracter voluntário para os imigrantes (Oliveira e Gomes, 2017: 108-111), sem prejuízo do domínio da língua portuguesa ser um requisito para momentos de transição do estatuto legal do migrante, nomeadamente para a autorização de residência permanente e o estatuto de longa duração, e para o acesso à nacionalidade portuguesa (c.f. Cabete, 2010, pp. 48-52).

Mais recentemente (em 2016), o Plano de Ação sobre a Integração de Nacionais de Países Terceiros (COM(2016) 377 final) definido ao nível europeu, refere que ainda a existência de medidas de formação linguística que antecedam a partida dos imigrantes pode acelerar a sua integração no seu futuro ambiente de acolhimento, tendo a Comissão se comprometido a apoiar os Estados-membros no lançamento de ações deste tipo. O mesmo documento refere que a aprendizagem da língua é considerada crucial e, uma vez no país de destino, a formação relativa a este aspeto deve ser iniciada o mais cedo possível. Em termos concretos, a Comissão compromete-se a 1) providenciar avaliação e aprendizagem online através do apoio linguístico Erasmus+ e 2) apoiar eventos de aprendizagem entre pares relativos à avaliação linguística. Por outro lado, a Comissão encoraja os Estados-membros que acolham trabalhadores imigrantes a fornecerem formação linguística e apoia os países nesta oferta.

O conjunto da produção normativa internacional sobre este tema é bastante mais vasto, tendo sido só facultados aqui alguns destaques que podem ser aprofundados, em particular no que diz respeito ao contexto europeu, em Gonçalves (2011).

 

Abordagem Nacional

Os programas que Portugal promove para a aprendizagem da língua portuguesa como forma de integração são voluntários e disponibilizados em território português – o Português como Língua Não Materna (PLNM) e o Português para Todos (PPT). Complementarmente promove (também com carácter opcional) a aprendizagem da língua portuguesa enquanto aproximação à diáspora portuguesa no mundo, ou como forma de cooperação para o desenvolvimento e de promoção do interesse de Portugal no Mundo.

Embora antes de 2001 o ensino do português para estrangeiros propriamente dito fosse sobretudo assumido pelo terceiro setor, o Secretariado Coordenador dos Programas de Educação Multicultural (EntreCulturas), havia sido criado em 1991 com atribuições no âmbito do estudo da diversidade linguística no sistema educativo português (alínea j) do número 5 do Despacho Normativo 63/91, de 13 de março).

As primeiras referências oficiais ao Português como língua não materna e língua de acolhimento surgem em 2001, ano em que Decreto-Lei n.º 6/2001, de 18 de janeiro, estipula no seu artigo 8.º que: As escolas devem proporcionar atividades curriculares específicas para a aprendizagem da língua portuguesa como segunda língua aos alunos cuja língua materna não seja o português. Neste âmbito, o Ministério da Educação desenvolveu em 2001 na região de Lisboa os primeiros projetos-piloto de ensino do PLNM, tendo posteriormente regulamentado a disciplina através do Despacho Normativo n.º 7/2006, de 6 de fevereiro (Ensino Básico) e do Despacho Normativo n.º 30/2007, de 10 de agosto (Ensino Secundário). Desse modo foram estabelecidos os princípios de atuação e as normas orientadoras da sua implementação, acompanhamento e avaliação, com o intuito de promover uma resposta às dificuldades sentidas pelos alunos, nomeadamente os recém-chegados ao sistema educativo nacional. Este enquadramento viria ainda a ser reforçado pelo Despacho Normativo n.º 12/2011, de 22 de agosto, que definiu que os alunos para quem o português não é língua materna devem frequentar o PLNM, equivalendo a carga horária da disciplina à disciplina de Português. O Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, assume ainda a integração da disciplina PLNM quer no currículo básico quer no currículo do secundário. Deste modo, no ensino básico esta disciplina passa a partir de 2012 a constituir-se como disciplina do curriculum, tal como já sucedia no ensino secundário, deixando de funcionar apenas no âmbito do apoio ao estudo ou apoio educativo.

Em 2005, o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 227/2005, de 28 de dezembro, focado no funcionamento do processo de reconhecimento de habilitações estrangeiras dos ensinos básico e secundário português, havia também consagrado o apoio pedagógico aos alunos que desse modo ingressassem no sistema educativo português, nomeadamente na aprendizagem da língua portuguesa.

A oferta do ensino do português para adultos estrangeiros surge também em 2001, com a criação do primeiro programa nacional Portugal Acolhe (assumindo o ensino da língua juntamente com outras dimensões de formação), da responsabilidade do Instituto do Emprego e Formação Profissional. Este programa viria a ser substituído em 2008 pelo programa Português para Todos – PPT (Despacho n.º 18476/2008, de 10 de julho), sob a responsabilidade do que é hoje o Alto Comissariado para as Migrações (ACM, IP), enquanto organismo intermédio do Programa Operacional do Potencial Humano (POPH), com a criação de duas naturezas de cursos: (1) cursos de português para falantes de outras línguas e (2) os cursos de português técnico, ambos para cidadãos imigrantes e os seus descendentes com situação regular em Portugal e com idade igual ou superior a 15 anos nas escolas da rede pública e idade igual ou superior a 18 anos nos centros de formação do IEFP.

Os cursos de português para falantes de outras línguas enquadrados pelo PPT obedecem às diretrizes emanadas do Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas, certificando os níveis A2, de utilizador elementar, e B2, utilizador independente, correspondendo ambos os níveis a uma carga horária de 150 horas de formação de acordo com os referenciais de formação. Embora os cursos sejam voluntários, a certificação do curso do PPT de nível A2 é um dos requisitos para efeitos de acesso à nacionalidade, à autorização de residência permanente ou ao estatuto de residência de longa duração (conforme a Portaria n.º 1262/2009, de 15 de outubro). Estes cursos do PPT operacionalizam-se desde 2008 através da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, com as respetivas direções de serviços regionais e escolas da rede pública, e do IEFP, através dos centros de gestão direta e gestão participada ou centros protocolares.

Por sua vez, os cursos de português técnico procuram disponibilizar aos imigrantes já com algum domínio do português (nomeadamente com nível de certificação de A2) um aprofundamento de competências e proficiência de língua portuguesa orientadas para várias atividades económicas (e.g. comércio, hotelaria, cuidados de beleza, construção civil) com o intuito de facilitar a sua inserção no mercado de trabalho português. A seleção destas atividades económicas reflete as áreas que mais empregavam mão-de-obra imigrante em Portugal, sendo o referencial para estes cursos promovido e operacionalizado pelo IEFP através da sua rede de centros de formação profissional que assegura uma formação de cerca de 25 horas.

Assumindo Portugal que a aprendizagem da língua pelos imigrantes é importante para o seu processo de integração, os planos de ação para a integração de imigrantes que têm vindo a ser desenvolvidos em Portugal desde 2007 também têm integrado inúmeras medidas nesta vertente. O primeiro Plano para a Integração dos Imigrantes (PII) (Resolução do Conselho de Ministros n.º 63-A/2007, de 3 de maio) que elencou 122 medidas, incluiu medidas de aprendizagem da língua portuguesa como língua não materna, seja ao nível do mercado de trabalho (medidas 10, 51 e 54), escolar (medidas 31, 33, 44, 52, 55 e 56) ou do acesso à cidadania (medidas 40 e 109). Este plano também mencionou alguma articulação com a sociedade civil ao nível da aprendizagem das línguas maternas (medida 53).

O segundo Plano para a Integração dos Imigrantes (2010-2013) (Resolução do Conselho de Ministros n.º 74/2010, de 17 de setembro) reforçou também algumas medidas de intervenção para as áreas da cultura e da língua. Com um total de 90 medidas, várias das quais orientadas para a aprendizagem do Português enquanto língua não materna no contexto do mercado de trabalho (medida 7, 10), no contexto escolar (medida 8), no contexto do acesso à cidadania (medida 9) ou no contexto dos apoios sociais (medida 11, 20). Quanto às línguas maternas, a medida 12 assumiu o incentivo à leitura de obras literárias em várias línguas no contexto da iniciativa Ler + em vários sotaques.

Mais recentemente, o Plano Estratégico para as Migrações (2015-2020) (Resolução do Conselho de Ministros n.º 12-B/2015, de 20 de março) veio dar continuidade a estas intervenções, elencando 106 medidas entre as quais o reforço do ensino da língua portuguesa aos migrantes, crianças e adultos (medida 36) e a consolidação dos programas de aprendizagem do português como língua não materna (medida 37), a alteração das normas de aquisição do nível de proficiência linguística para dispensa de realização do teste de nacionalidade (medida 38) e a consolidação do mecanismo de realização da prova de conhecimento da língua portuguesa para efeitos de aquisição da nacionalidade (medida 39), integrando todas estas várias ações concretas.

Noutra vertente, como forma de promover a aprendizagem da língua portuguesa enquanto aproximação à diáspora portuguesa no mundo ou como forma de cooperação para o desenvolvimento, Portugal tem promovido também uma rede de ensino do português no estrangeiro. Entre as diferentes atribuições do Camões, I.P. encontra-se a divulgação, promoção e ensino da língua e da cultura portuguesa no estrangeiro. No domínio da língua, o Camões I.P. desenvolve três programas: (1) Programa Português no Mundo; (2) Programa Português Língua de Herança e (3) Programa Educação para Todos, que abrange o ensino do português como “língua segunda” e o “português como língua estrangeira”. A intervenção deste instituto na vertente destes programas tem procurado estimular o interesse de Portugal no Mundo, apostando na divulgação e aprendizagem da língua portuguesa tanto com o objetivo de aproximação às comunidades portuguesas emigradas, como de promover a política de cooperação para o desenvolvimento.