Ao passarem em revista o panorama da investigação sobre migrações em Portugal, Machado e Azevedo identificam alguns temas de pesquisa e categorias de imigrantes que, apesar de terem significado sociológico e quantitativo, não têm sido objeto de investigação. O primeiro destes “grupos invisíveis” ou menos estudado é precisamente o dos migrantes da União Europeia, que já em 1999 Machado apontava como uma das três principais categorias de imigrantes em Portugal e sobre os quais incidiram, entre 2000 e 2008, menos de 1% dos estudos publicados. No entanto, em 2007 os imigrantes da UE15 totalizavam 20% do total de estrangeiros (em 2017, segundo o INE, são 33% da população estrangeira com estatuto legal de residente). No entender destes autores, esta desproporção – em que apenas 1% de estudos incidem sobre uma categoria à qual correspondem a 20% dos imigrantes – e a relativa invisibilidade que traduz decorrem em parte da não conformidade destes imigrantes com o pressuposto que equaciona imigrante com problemas sociais que carecem de resposta de política pública (Machado e Azevedo, 2009: 23-25, 27).
No que respeita a estratificação social, é de notar uma maior representatividade das categorias profissionais “diretores e quadros dirigentes” e “profissões técnicas e científicas” na composição profissional dos imigrantes Europeus comunitários por comparação aos imigrantes de outras proveniências. O mesmo se passa com a categoria “patrões” no que toca à situação na profissão (Machado, 1999: 69-70).
No final do século passado a composição sexual e a estrutura etária dos europeus comunitários eram, de entre os grupos imigrantes residentes no país, as que mais se assemelhavam à população portuguesa. A considerável proporção de reformados existente no seu seio contribuía, já nessa época, para os diferenciar nitidamente das outras categorias de imigrantes (Machado, 1999: 60-61). O mesmo autor constatava então, comparando dados de 1986 a 1996, um incremento do peso relativo dos imigrantes comunitários no Algarve, ainda que o peso desses imigrantes no total da população estrangeira da região estivesse em declínio (Machado, 1999: 53-54). Volvida mais de uma década, Oliveira e Peixoto, estudando o envelhecimento da população imigrante em 2012, reforçam esta ideia de que as populações de nacionalidade europeia comunitária (e.g., alemães, britânicos, espanhóis) se encontram não apenas envelhecidas como também ainda em processo de envelhecimento, sendo este “o grupo onde a migração de idosos (ou de adultos em idade madura) adquire a sua máxima expressão”. Todavia, os mesmos autores chamam a atenção para que a adoção da naturalidade – ao invés da nacionalidade – como forma de identificar quem sejam os imigrantes leva a que esse envelhecimento relativo dos imigrantes comunitários se dissipe. Tal resultará, pelo menos em parte e segundo os autores, de com base no critério da naturalidade passarem a ser incluídos os filhos dos antigos emigrantes portugueses que terão vivido nesses países (Oliveira e Peixoto, 2012: 66-67, 71).
Mas Torkington diz-nos que nem todos os Europeus do Norte residentes no Algarve são reformados (2010: 99), pelo que há também que considerar a existência de subdivisões no conjunto de imigrantes com tais proveniências e até mesmo no seio do que poderíamos qualificar de imigrantes de estilo de vida. Tais subdivisões decorrem logicamente da diversidade de projetos de realização pessoal. Segundo um artigo de Sardinha (2013), por um lado, haverá aqueles que procuram o sol, os preços mais em conta e a proximidade dos seus compatriotas para reproduzirem de forma mais expansiva um padrão de vida mais próximo da sociedade de origem. Estes migrantes de estilo de vida tendem a assumir residência no Algarve e na Costa do Sol (litoral de Oeiras e Cascais). Por outro lado, haverá uma vaga mais recente de imigrantes de estilo de vida que procurarão romper com os padrões de vida das sociedades de origem em favor de uma maior realização pessoal, quer meramente afastando-se dos modos de vida urbanos e consumistas e aproximando-se do que entendem ser natural e genuíno, quer abraçando ativamente práticas de contracultura (Sardinha, 2013).
Resulta, assim, que os Europeus comunitários – por vezes designados free movers (e.g., Gaspar e Haro, 2011) – não constituem um grupo homogéneo em si. Observa-se padrões de diferenciação em função da proveniência geográfica, inserção regional, estrutura etária, objetivos e motivações subjacentes ao projeto migratório e estratificação social que é necessário levar em conta para melhor compreender o tema.
Deste modo, os autores que trabalham nesta área têm considerado útil recorrer à noção de imigrantes de estilo de vida (lifestyle migrants), por oposição a imigrantes económicos clássicos ou a refugiados, para melhor pensar estes fenómenos. Uma parte significativa dos Europeus comunitários em Portugal serão precisamente classificáveis como imigrantes de estilo de vida. Para Torkington, as pessoas classificadas nesta categoria têm em comum a crença em que uma mudança de residência irá levar não apenas a melhores oportunidades de vida, mas mesmo a um modo de vida que as realize mais. A autora enfatiza ainda a importância de que os destinos signifiquem para estes migrantes uma maior qualidade de vida e uma escolha deliberada sobre como viver, ou seja, liga esta migração à definição de identidade pessoal por via de um projeto reflexivo de si (Torkington, 2010: 102, 105). O enquadramento desta tipologia de migração ajuda a compreender por que razão o volume de migrantes intracomunitários supera o que seria esperado com base em modelos assentes em motivações puramente económicas (Recchi, 2008: 197).
A distinção entre imigrantes de estilo de vida e imigrantes económicos constitui o cerne analítico de um artigo recente sobre a diversidade linguística dos imigrantes europeus estabelecidos no Algarve. Neste contexto, os primeiros corresponderão a europeus do Norte e os segundos a Europeus de Leste, entre os quais os Romenos, que são também cidadãos da União Europeia. Segundo Ribeiro, no Algarve a realização de mobilidade ocupacional ascendente por parte dos Europeus de Leste depende da aquisição da língua portuguesa, o que ajuda a compreender porque 94% das pessoas dessa categoria que entrevistou disseram conhecer o português. Em contraste, os imigrantes Europeus do Norte que têm o inglês por língua materna tendem a ser monolingues e os que têm outras línguas maternas tendem a ser bilingues, recorrendo quando necessário ao inglês mas não ao português. Ao mesmo tempo, a totalidade dos Europeus do Norte entrevistados neste estudo dizem usar o inglês no trabalho e apenas 63% dizem conhecer a língua portuguesa. Na esfera da sociabilidade privada, 83% dos Europeus de Leste diz usar a língua portuguesa para falar com os amigos, mas apenas 38% dos Europeus do Norte fazem o mesmo. Segundo a autora, os Europeus do Norte não parecem valorizar o português e o seu quotidiano não parece exigir que o aprendam (Ribeiro, 2015). Se, por um lado, Torkington refere o fechamento social dos Europeus do Norte residentes no Algarve (2010: 99-100), por outro, Ribeiro (2015) aponta o uso do inglês como símbolo do estatuto social superior dos Europeus do Norte face tanto aos autóctones como aos outros imigrantes, por muito proficientes que estes últimos se possam ter tornado na língua portuguesa. A autora observa que os imigrantes de estilo de vida no Algarve não encaixam na categoria teórica de cosmopolitismo de elites (estratos sociais superiores que valorizam as competências multiculturais e têm por objetivo o multilinguismo), visto que se posicionam sobretudo, ou mesmo apenas, como falantes de inglês (Ribeiro, 2015).
A mesma distinção entre imigrantes de estilo de vida e imigrantes económicos é também destacada num artigo recente focado nos Romenos, Britânicos e Espanhóis, em Portugal. Partindo de uma análise da participação cívica e política destes imigrantes, o autor conclui que existe considerável heterogeneidade no seio da categoria dos imigrantes comunitários, que geralmente se assume ser homogénea (Oliveira, 2017: 55). Na base empírica que explora, os cidadãos Romenos correspondem ao perfil etário, habilitacional e profissional dos imigrantes laborais tradicionais, enquanto Espanhóis e Britânicos têm respetivamente perfis mais corporativos (expats) ou de reformados (lifestyle migrants) (Oliveira, 2017: 61-62, 67). O autor vê com alguma preocupação a integração social dos imigrantes comunitários da Bulgária e da Roménia em Portugal, que tendem a corresponder ao perfil de imigrantes laborais mas que, por serem Europeus comunitários, carecerão do enquadramento institucional do qual beneficiam os imigrantes laborais nacionais de países terceiros (Oliveira, 2017: 67). Quanto à participação, identifica para os Romenos uma taxa de recenseamento de apenas 2,7%, em forte contraste com os 16,0% dos Britânicos e os 17,6% dos Espanhóis. Contudo, a taxa de recenseamento dos Romenos, terá crescido 22% entre as eleições autárquicas de 2013 e 2016, enquanto as taxas homólogas relativas a Britânicos e Espanhóis terão caído 13% (Oliveira, 2017: 65, 68).