3. Enquadramento legal e institucional para Europeus

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3. Enquadramento legal e institucional para Europeus

Perspetiva Internacional

A União Europeia tem a sua origem na Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), formada no pós-guerra através do Tratado de Paris, assinado em 18 de abril de 1951 pela Bélgica, França, Holanda, Itália, Luxemburgo e República Federal da Alemanha. Em 1957, por virtude dos Tratados de Roma, assinados pelos mesmos países a 25 de março, nascia a Comunidade Económica Europeia (CEE). A assinatura do Tratado de Maastricht, a 7 de fevereiro de 1992, por um leque já alargado de países (UE12), incluindo Portugal, deu origem à União Europeia propriamente dita e atribuiu aos nacionais dos Estados-membros da UE o estatuto de cidadãos europeus. É ainda relevante enfatizar o papel da Convenção de Schengen, assinada por Portugal a 25 de junho de 1991 e entrada em vigor em março de 1995, na concretização efetiva da possibilidade de livre circulação dos cidadãos comunitários no chamado Espaço Schengen. Este último engloba 26 países, 22 dos quais são Estados-membros da UE e ainda o Listenstaine, a Noruega e a Suíça. Esta liberdade de circulação tem constituído um claro benefício para os EU movers e migrantes comunitários que dela têm usufruído, nomeadamente portugueses.

No contexto da União Europeia, o texto mais relevante é a Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, que diz respeito aos direitos de livre circulação e de residência dos cidadãos comunitários e seus familiares no território da UE. Esta diretiva consolidou a produção normativa preexistente, que se encontrava algo dispersa, nomeadamente alterando o Regulamento (CEE) n.º 1612/68 e revogando as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE. Esta diretiva estabelece o direito incondicional de residência informal num Estado-membro da UE diferente do do cidadão europeu durante três meses e determina que, passado esse período, os Estados-membros de acolhimento podem exigir o cumprimento de determinadas condições e formalidades por parte dos cidadãos comunitários que aí desejem estabelecer a sua residência.

Paralelamente, operam ainda textos setoriais, tais como o Regulamento (CE) N.º 883/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativo à coordenação dos sistemas de segurança social; o Regulamento (CE) n.º 987/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, que estabelece as modalidades de aplicação do regulamento precedente, ou a Diretiva 2011/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2011, relativa ao exercício dos direitos dos doentes em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços, entre outros.

 

Abordagem nacional

Com a entrada de Portugal na CEE em 1986, o país teve de introduzir legislação diferente para a entrada, permanência e saída do território português de nacionais de Estados-membros das Comunidades Europeias e seus familiares. Nesse sentido, logo em 1987 o Decreto-Lei n.º 267/87, de 2 de julho, veio definir condições para a entrada, permanência e saída do território nacional diferentes daquelas que se encontravam previstas na lei para a generalidade dos estrangeiros e que incluíam, mas não se limitavam, à admissão de entrada em território nacional mediante a simples apresentação de um bilhete de identidade ou de passaporte válidos. Este decreto veio posteriormente ser revogado, por exigência da própria evolução da conjuntura internacional (e.g., transposição de múltiplas diretivas), pelo Decreto-Lei n.º 60/93, de 3 de março, que se aplicava aos estrangeiros comunitários e se aplicava alternativamente ao Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de março, cujas disposições se encontravam orientadas para os estrangeiros em geral. Esta dualidade tem-se vindo a manter ao longo de sucessivas iterações de leis para estrangeiros residentes, cujas redações em vigor se associam à Lei n.º 37/2006, de 9 de agosto, que “regula o exercício do direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União Europeia e dos membros das suas famílias no território nacional” e a Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que “aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional” e sucessivas revisões.

Neste quadro, os cidadãos comunitários, de países que façam parte do Espaço Económico Europeu (Islândia, Liechtenstein, Noruega), do Principado de Andorra e da Suíça, gozam, ao abrigo da Lei n.º 37/2006, de 9 de agosto, dos direitos de entrada, permanência e residência em Portugal. Se permanecerem em Portugal por um período superior a três meses deverão, nos trinta dias subsequentes, formalizar a sua residência obtendo um certificado de registo junto da câmara municipal da área de residência. O modelo deste certificado é definido pela Portaria n.º 1334-D/2010, de 31 de dezembro, com revisões da Portaria n.º 164/2017, de 18 de maio, que adotou novos modelos dos documentos no sentido de um reforço da segurança.

Por consequência direta das disposições do Tratado de Maastricht, os cidadãos europeus usufruem de determinados direitos nos Estados-membros em que residem. Desde logo, os cidadãos europeus comunitários usufruem de direitos políticos específicos. Em concreto, os cidadãos europeus podem votar e apresentar-se como candidatos nas eleições autárquicas e europeias, sendo que no que respeita a estas últimas terão de optar formalmente por fazê-lo em Portugal, prescindindo de o fazer pelo seu país de origem. O voto nas eleições legislativas e presidenciais está reservado aos Portugueses e Brasileiros com estatuto de igualdade de direitos políticos. Embora o regime jurídico do recenseamento eleitoral (Lei n.º 13/99, de 22 de março) estabeleça que o recenseamento dos cidadãos portugueses é oficioso e automático, nos demais casos – incluindo os cidadãos europeus – o recenseamento é voluntário, exigindo a inscrição junto da comissão recenseadora da sua área de residência.

A cidadania europeia é ainda relevante ao nível da legislação nacional, em áreas específicas como, por exemplo, a saúde, conforme a situação seja mais temporária ou mais permanente, o acesso aos serviços por parte dos cidadãos estrangeiros de países comunitários em Portugal poderá ser conseguido mediantes o cartão europeu de seguro de doença ou o formulário / documento portátil S1. Para aprofundamento deste tema ver Oliveira e Gomes (2018).

Outra área que tem recebido destaque no contexto atual é a fiscal, onde podem operar fatores de atração destes migrantes comunitários. O regime fiscal do investidor residente não habitual (artigos 23.º a 25.º do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro), frequentemente aludido nos meios de comunicação em conexão com o tema dos europeus em Portugal, não inclui disposições específicas para os migrantes intracomunitários ou quaisquer provisões em função da cidadania dos potenciais beneficiários, embora se observe efetivamente uma relevância quantitativa nos seus beneficiários efetivos. Segundo dados do Ministério das Finanças a vasta maioria dos beneficiários são naturais de países da União Europeia (que totalizam 82% dos casos).