A academia tem-se focado, nas últimas décadas, na reflexão científica do eventual contributo específico da imigração e da origem étnica para a desigualdade de resultados escolares, ou seja, tem procurado validar se a origem cultural ou imigrante é uma dimensão explicativa do desempenho escolar dos estudantes nas diferentes sociedades. Nestas opções de investigação tem sido refletido também o papel explicativo nas performances escolares da classe social e das características socioeconómicas dos indivíduos e dos seus agregados familiares, e se essa dimensão suplanta a influência explicativa que a origem étnica ou cultural pode ter.
Ao traçar o estado da arte na literatura sobre a relação entre desigualdades sociais e escolares, Seabra (2009) nota que um conjunto de estudos realizados nos contextos americano, britânico e francês, levou à constatação de que a estratégia para a igualdade escolar (que consiste em oferecer as mesmas condições a todos os alunos) é contraproducente na medida em que conduz a resultados que penalizavam os estudantes socialmente mais desfavorecidos. Tal levou a que se definisse como prioritária a intervenção junto dos mais desfavorecidos, estratégia que não tem produzido os resultados esperados e tem mesmo gerado efeitos perversos ao nível do que em Portugal vieram a ser conhecidos como territórios educativos de intervenção prioritária, tais como o reforço de processos preexistentes de segregação escolar e residencial, em particular a fuga das classes médias ou, no contexto americano, de “brancos” (2009, pp. 77-79).
No plano teórico, embora haja uma variedade de quadros teórico-analíticos relativos à relação entre desigualdades escolares e desigualdades sociais, segundo Seabra (2009) tal não tem objetado à formação de um largo consenso na construção de um modelo analítico que identifica uma variedade de fatores explicativos dos diferentes percursos escolares. A autora salienta os contributos teóricos de Bourdieu e Passeron, nomeadamente a ideia de que a cultura da escola é a cultura nativa das famílias de classe média, sendo aos alunos oriundos de famílias desfavorecidas exigido que passem por um processo de aculturação (2009, pp. 88-90). Todavia, Seabra aponta que tal tese tem dificuldade em explicar o desempenho superior dos alunos oriundos de alguns grupos de imigrantes com culturas muito diferentes da cultura de acolhimento; o sucesso, contra todas as expectativas, de uma parte dos alunos oriundos das classes populares; e o inusitado sucesso escolar das raparigas, quando o expectável seria que a cultura escolar reproduzisse a dominação masculina (2009, pp. 87 e 93). A primeira destas objeções encontra apoio nos 24.0% de estudantes imigrantes ditos “resilientes” pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico ou Econômico (OCDE) porque embora situados no quartil mais desfavorecido, em termos de estatuto socioeconómico, conseguem superar essa desvantagem e obter desempenhos ao nível do melhor quartil, em termos de resultados, de todos os estudantes participantes do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA, 2016, pp. 18, 42, 242 e 262).
Quanto a fatores concretos, Seabra identifica várias diferenças sociais regularmente associadas a desigualdades escolares: a condição social da família do aluno, a sua origem étnico-nacional, o território onde reside (rural/urbano e, neste caso, centro/subúrbio) e o género. Entre os fatores associados à família assumem particular relevo os linguísticos e culturais (2009, pp. 81-83 e 92), que diferem não apenas entre etnias mas também entre classes. A estes fatores, Portes e Hao acrescentam ainda o papel das famílias intactas e das amizades coétnicas no debelar do abandono escolar (2004, pp. 11921 e 11923-11924). A OCDE refere também a interferência de diferenças em termos de motivação, aspirações, envolvimento pessoal, e muitos outros fatores pessoais que, sendo intangíveis ou não estando ligados ao estatuto socioeconómico, podem levar as famílias imigrantes a decidir estabelecer-se num dado país, tais como: redes de contactos pessoais, ligações históricas ou aspirações profissionais (dos pais) (2016, pp. 65 e 255).
No que toca à diversidade de origem étnico-nacional, Seabra explica que a informação que existe vai no sentido de a sua relação com o desempenho escolar ser ténue, mas não necessariamente inexistente (2009, p. 88). Esta posição é partilhada por Kristen e Granato (p. 6), que enunciam a possibilidade de a proficiência linguística, a discriminação, ou determinadas condições institucionais associadas terem um impacto diversificado nas crianças em função de serem ou não imigrantes (pp. 10-11). Por sua vez, o PISA da OCDE corrobora que a diferença de resultados escolares em termos de estatuto migratório tende a esbater-se uma vez controlado o efeito do estatuto socioeconómico. Contudo, mesmo após controlado o efeito do nível socioeconómico, os estudantes imigrantes têm mais do dobro da probabilidade de terem um desempenho aquém do nível de proficiência mínimo a ciências. Isto sugere que até sistemas de providência universais, fortes e com boas respostas terão os seus limites no que respeita a assegurar o sucesso escolar das crianças imigrantes e serão, por isso, necessárias políticas educativas orientadas para os estudantes imigrantes para os dotar de iguais oportunidades de desenvolver as suas competências (2016, pp. 42, 252 e 260).
Ao nível das escolas e dos professores, Seabra cita resultados que indicam não apenas um efeito positivo da heterogeneidade social da turma e da escola sobre o desempenho dos estudantes, mas também um efeito da pertença à classe média sobre a comunicação de expetativas positivas aos alunos por parte dos professores, e mesmo a existência parcialidade nas estratégias pedagógicas adotadas pelos docentes (2009, p. 97). Em termos de efeitos de contexto, Portes e Hao constatam que o estatuto socioeconómico das escolas está associado diretamente às notas e à probabilidade de abandono. (2004, p. 11924-11925). A OCDE nota que, em parte devido à segregação residencial, os estudantes imigrantes tendem a encontrar-se sobre-representados em algumas escolas. A esta maior concentração de estudantes imigrantes nas escolas que frequentam correspondem, em média nos países da OCDE, resultados menos positivos. Todavia, esta associação negativa com o desemprenho desaparece na totalidade se forem controlados os efeitos de outros fatores interferentes. Isto indica que é a concentração do desfavorecimento e não a concentração de estudantes imigrantes em si que prejudica a aprendizagem (2016, p. 18, 42, 242 e 259). Por isso, a ligação crucial entre a concentração de imigrantes numa escola e os baixos desempenhos é a extração socioeconómica das escolas onde os imigrantes tendem a estar matriculados (2016, pp. 256-257). Seabra aponta resultados de pesquisas que sustentam que alunos com os mesmos resultados em provas estandardizadas terão melhores resultados em termos de notas internas se forem filhos de quadros e não de operários, o que indicia a existência de favorecimento da parte dos professores na atribuição das notas internas ao primeiro grupo (2009, p. 98).
No que respeita a efeitos associados às próprias sociedades de acolhimento, é de referir, à partida, a seleção negativa dos imigrantes laborais no que respeita ao capital humano (e.g., Kristen e Granato, pp. 8-10, OCDE, 2016, p. 243, Portes e Hao, 2004, pp. 11926-11927). Por outro lado, parte do desempenho dos estudantes imigrantes pode ainda ser atribuída ao próprio sistema de educação do país de acolhimento (OCDE, 2016, p. 63 e 253) ou a atitudes para com os imigrantes residentes nos países de destino. (OCDE, 2016, p. 243). Seabra não descobre na literatura evidências que suportem a tese de um eventual efeito dos sistemas educativos, pelo que recomenda o investimento em políticas sociais genéricas como forma de reduzir a desigualdade educativa (2009, p. 96). Contudo, a OCDE refere a este respeito o impacto de práticas de estratificação precoce (e.g., retenções, separação de estudantes com base na identificação precoce de aptidões) (2016, p. 243). É também relevante referir que a OCDE mostra que estudantes imigrantes de origens culturais e socioeconómicas similares podem ter desempenhos escolares marcadamente diferentes em função de os sistemas de ensino dos países de acolhimento serem mais ou menos capazes de desenvolver os talentos dos estudantes com origens culturais diferentes (2016, pp. 253-255). Em média nos países da OCDE, 19,9% dos estudantes imigrantes tinham já repetido um ano quando participaram no PISA 2015, ao passo que o número correspondente para os seus colegas não imigrantes era de 10,9%. Ainda que a decisão de fazer com que um(a) estudante repita um ano seja geralmente baseada no seu desempenho, em 2015, os estudantes imigrantes tinham uma probabilidade de já terem repetido um ano 70% superior à dos seus colegas não imigrantes de igual estatuto socioeconómico e desempenho no PISA a ciências e leitura (2016, p. 259).
Para Seabra a democratização do sistema educativo terá permitido a massificação do acesso dos mais desfavorecidos, mas simultaneamente assegurado uma diversificação hierarquizada do ensino que teve por consequência a persistência da desigualdade (2009, p. 85). Seabra conclui que: Se é verdade que a escola tem um papel limitado no esbatimento das desigualdades sociais, podendo mesmo exercer uma influência negativa, ela, simultaneamente, permanece no centro da integração. A escola não muda a sociedade, como inicialmente se supôs, mas isso não significa que não constitua o contexto social com maiores probabilidades de concretizar alguma mobilidade social (2009, p. 100).
Em relação à especificidade portuguesa importa dar nota da força do nexo entre resultados escolares e estratificação socioeconómica no país. Os relatórios da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) sobre desigualdades socioeconómicas e resultados escolares mostram uma grande lacuna de resultados escolares entre os escalões da Ação Social Escolar que correspondem aos alunos mais e menos favorecidos em termos socioeconómicos no segundo e terceiro ciclos do ensino básico (2016b, p. 7 e 2016a, p. 7). Os relatórios em questão incluem também dados que apontam para uma grande variabilidade de resultados entre escolas (2016b, pp. 18-19 e 2016a, pp. 19-20), o que é compaginável com uma elevada segregação espacial das situações de exclusão social. Segundo os key findings do PISA, o país encontra-se abaixo da média OCDE no que respeita à igualdade dos estudantes desfavorecidos em termos de estatuto socioeconómico, mas acima da média da OCDE no que concerne a igualdade dos estudantes imigrantes.
Machado, Matias e Leal (2005) argumentam que também no que respeita aos estudantes imigrantes os resultados escolares se encontram na dependência dos fatores de desigualdade social cuja influência a sociologia da educação documenta amplamente para a população em geral (pp. 696-698 e p. 704). Embora os descendentes de imigrantes africanos não difiram muito dos jovens em geral no que toca aos níveis de escolaridade (p. 702), os autores concluem que, ainda assim, a influência deste fator nos resultados escolares não é nula (p. 707) e poderá ser explicada pelo contraste cultural ao nível da língua e pelo menor capital cultural acumulado em função de uma menor permanência em Portugal (pp. 707-708). Observando que bastantes estudantes oriundos de meios desfavorecidos conseguem, contra as expectativas, bons resultados (p. 711), os autores observam que os modelos de explicação das diferenças nos resultados escolares deverão integrar uma pluralidade de princípios de causalidade e resistir a qualquer monismo, seja ele cultural ou social (p. 712). Com efeito, a constatação da reprodução de desigualdades essencialmente sociais não pode fazer perder de vista que os estudantes imigrantes que a OCDE designa como “resilientes” são em Portugal 27.4% (OCDE, 2016, p. 431), realidade que mereceu a análise de Roldão (2015) e de Seabra, Roldão, Mateus e Albuquerque, num estudo publicado por este observatório em 2016.
Sendo certo que persistem desafios no sistema educativo nacional, a OCDE destaca Portugal entre os países nos quais a lacuna no desempenho escolar estudantes imigrantes e não imigrantes se estreitou em resultado sobretudo de melhorias no desempenho dos estudantes imigrantes e não da degradação do desempenho dos seus colegas não imigrantes. Em Portugal, entre 2006 e 2015 os estudantes imigrantes melhoraram o seu desempenho a ciência em 64 pontos, enquanto os estudantes não imigrantes melhoraram 25 pontos (OCDE, 2016, p. 260), refletindo também a diversificação de nacionalidades imigrantes e de perfis escolares e qualificações da imigração para Portugal na transição para o século XXI (Oliveira e Gomes, 2014).
Oliveira e Gomes (2016) constatam que, mesmo no contexto da diminuição do afluxo de imigrantes a Portugal dos últimos anos da crise economia e financeira que se fez sentir, o número de estudantes imigrantes continuou a aumentar. Este crescimento assumiu-se, assim, contra ciclo com os restantes fluxos imigratórios nesses anos. Ao longo dos anos, a par do aumento do quantitativo, a diversificação das origens geográficas, linguísticas e culturais tem vindo a confrontar o sistema escolar português com a necessidade de articular novas respostas eficazes de integração (Hortas, 2013, p. 24), tanto em termos institucionais como legais, que se sintetizam de seguida nesta newsletter.