Enquadramento legal
Em termos de instrumentos internacionais há a destacar, antes de mais, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948, que se tornou a matriz dos tratados e convenções internacionais em matéria de refugiados e requerentes de asilo ao estabelecer que “toda a pessoa sujeita a perseguição, tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo em outros países” (ponto 1 do artigo 14.º). A Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 28 de julho 1951, veio estabelecer, entre outros direitos e deveres o já referido princípio de não repulsão. Por sua vez, o Protocolo Adicional à Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 31 de janeiro de 1967, veio remover a limitação que circunscrevia cronologicamente a aplicação da convenção aos refugiados resultantes da segunda guerra mundial. Ainda nesse ano, a Declaração das Nações Unidas sobre Asilo Territorial, de 14 de dezembro de 1967, decretou, em estrita observação prévia da Carta Universal dos Direitos Humanos, que a ninguém será recusada “a admissão na fronteira ou, se tiver entrado no território em que procura asilo, a expulsão ou devolução obrigatória a qualquer Estado onde possa ser objeto de perseguição”.
Ao nível do Conselho da Europa são de referir três instrumentos: o Acordo Europeu Relativo à Supressão de Vistos para os Refugiados, de 20 de abril de 1959, a Convenção Europeia sobre Funções Consulares e Protocolos Adicionais, de 11 de dezembro de 1967, e o Acordo Europeu sobre a Transferência de Responsabilidade Relativa a Refugiados, de 16 de outubro de 1980. No primeiro, as partes contratantes acordam, em regime de reciprocidade, não exigir vistos aos refugiados que residam numa delas, desde que sejam titulares de título de viagem emitido pelo país de residência habitual e não fiquem mais de três meses no outro país. No segundo, trata-se de assegurar aos refugiados acesso a uma proteção consular efetiva. No terceiro, estabelece-se o procedimento a seguir em caso de transferência da responsabilidade de emitir um título de viagem.
O sistema de asilo da União Europeia é ainda regulado por um conjunto de diretivas europeias que são conhecidas por Sistema de Dublin, o qual assenta na Convenção de Dublin e no Eurodac. A Convenção de Dublin (97/C 254/01) “constitui a regulação da UE para agilizar o processo de candidatura ao estatuto de refugiado nos Estados-membros, prevendo que a apresentação do pedido de asilo seja feita no próprio país em que o requerente entrou no espaço europeu, ficando sua circulação e proteção restritas a esse país” (Oliveira et al., 2017: 79). Esta convenção posteriormente foi substituída pelo Regulamento (CE) n.º 343/2003 do Conselho, de 18 de fevereiro de 2003, dito Regulamento de Dublin II, que estabeleceu critérios e mecanismos de determinação do Estado-membro responsável pela análise de um pedido de asilo apresentado num dos Estados-membros por um nacional de um país terceiro, sendo este por sua vez foi substituído pelo Regulamento (UE) n.º 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, dito Regulamento de Dublin III, o qual procede a uma reformulação na qual é de destacar o clarificar dos procedimentos para apátridas. Por sua vez, o Regulamento (UE) n.° 603/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, estabelece o sistema Eurodac de comparação de impressões digitais para efeitos da aplicação efetiva da Convenção de Dublin.
As iniciativas nacionais dos diversos Estados-membros, existindo à margem das diretivas europeias, são ditas estatutos de proteção não harmonizada. Um estudo promovido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras para a Rede Europeia das Migrações (Ataíde et al., 2009: 3-5) destacava quatro desses estatutos na legislação portuguesa. Antes de mais, o estatuto de refugiado que permite que a concessão de asilo seja fundamentada na existência de perseguição ou ameaça de perseguição em consequência da sua atividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana (n.º 8 do art.º 33 da Constituição da República Portuguesa e n.º 1 do art.º 3 da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho), indo desse modo além da então vigente Diretiva 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de abril. O segundo estatuto não harmonizado apontado nesse estudo referia-se à proteção subsidiária por razões humanitárias, sendo esta atribuída a quem não fosse aplicável a concessão do direito de asilo, em razão da existência de sistemática violação de Direitos Humanos nos países de que são nacionais ou onde tinham residência habitual (n.º 1 do art.º 7 da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho), alargando assim o âmbito das pessoas elegíveis para efeitos de proteção subsidiária, face ao regime previsto pela então vigente Diretiva 2004/83/CE, do Conselho, de 29 de abril. Contudo, a Lei n.º 26/2014, de 5 de maio, alterou este artigo, levando estas situações a confluir sob a figura geral da proteção subsidiária. Outro estatuto não harmonizado identificado então refere-se à concessão de autorizações de residência com dispensa de visto de residência em situações especiais (e.g., doentes, vítimas de exploração que tenham denunciado a situação, ou vitimas de tráfico de pessoas) ou ao abrigo do regime excecional por razões de índole humanitária (art.os 122 e 123 da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho). Por fim, o estudo em questão refere o visto de estada temporária, emitido a favor de estrangeiros carecidos de tratamento hospitalar (art.º 54 da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho) (Ataíde et al., 2009: 3-5).
A lei do asilo em Portugal conheceu sucessivas versões, sendo de mencionar a Lei n.º 38/80, de 1 de agosto, a Lei n.º 70/93, de 29 de setembro, e a Lei n.º 15/98, 26 de março, todas elas já revogadas. O diploma atualmente em vigor é a Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, que estabelece as condições e procedimentos de concessão de asilo ou proteção subsidiária e os estatutos de requerente de asilo, de refugiado e de proteção subsidiária. Subsequentemente, esta veio a ser alterada pela Lei n.º 26/2014, de 5 de maio no sentido de transpor as mais recentes diretivas europeias. São elas: a Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro; a Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho; e a Diretiva 2013/33/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho. À luz do enquadramento legal português, sempre que o estatuto de refugiado é concedido a um estrangeiro ou apátrida, o requerente é autorizado a permanecer em território nacional, conforme previsto na legislação internacional posteriormente incorporada na lei portuguesa. Os beneficiários do estatuto de refugiado e de proteção subsidiária estão sujeitos aos mesmos direitos e deveres dos estrangeiros residentes em Portugal, tendo de respeitar as obrigações previstas na Constituição da República Portuguesa (designadamente os artigos 15.º a 33.º, 41.º e 46.º) e da Lei n.º 27/2008, de 30 de junho.
Encontra-se também em vigor a Lei n.º 67/2003, de 23 de agosto, que transpõe na íntegra a Diretiva 2001/55/CE do Conselho, de 20 de julho de 2001, e diz respeito à concessão de proteção temporária no caso de afluxo massivo de pessoas deslocadas, bem como a medidas através das quais se procura assegurar uma repartição equilibrada do esforço assumido pelos Estados-membros ao acolherem estas pessoas e suportarem as consequências decorrentes desse acolhimento.
A Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, é um veículo do conteúdo normativo que corresponde à soberania nacional nesta área e, como tal, autónoma face ao disposto ao nível das diretivas comunitárias. Desde a sua publicação esta lei foi revista cinco vezes, sendo a quinta e mais recente efetivada pela Lei n.º 102/2017, de 28 de agosto, que republica aquele diploma com a redação atual e as necessárias correções materiais.
Enquadramento institucional
Ao nível internacional a agência de referência é o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), cujo estatuto foi definido pela ONU a 14 de dezembro de 1950, tem o mandato das Nações Unidas de conduzir e coordenar ações internacionais de proteção de refugiados, assegurando os seus direitos, e de procurar soluções duradouras para seus problemas. O ACNUR conduz a sua ação de acordo com a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e seu Protocolo de 1967. O direito internacional dos refugiados constitui o quadro normativo essencial das atividades humanitárias do ACNUR.
Ao nível europeu funcionam ainda algumas instituições que importa enquadrar na vertente da política comum de asilo e na gestão dos fluxos de refugiados. Na Comissão Europeia, a Direção-Geral (DG) das Migrações e Assuntos Internos enquadra as regras ao nível da UE no que diz respeito a questões de fronteiras, como é o caso do asilo, migrações, controlo de fronteiras, crime organizado e terrorismo, e monitoriza a aplicação dessas regras ao nível comunitário. Esta DG é responsável pelo financiamento de projetos relacionados com estes domínios políticos nos Estados da UE.
A União Europeia dispõe ainda desde 2011 de uma agência de apoio ao asilo: o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (EASO). Criado pelo Regulamento (UE) n.º 439/2010 do Parlamento Europeu e do Conselho, o EASO procura reforçar a cooperação prática entre Estados-Membros neste domínio e ajudá-los a cumprir a “sua obrigação, a nível europeu e internacional, de conceder proteção às populações afetadas”. Esta agência procura aumentar a cooperação entre os Estados-membros em matéria de asilo, apoiando em particular os Estados-membros cujos sistemas de asilo e acolhimento estejam sujeitos a pressões excecionais, e melhorar a aplicação prática do Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA).
Já fora do âmbito da União Europeia mas ainda na Europa, há a referir a Rede Europeia de Reinstalação que sob a coordenação do ACNUR, da Comissão Católica Internacional para as Migrações (ICMC), e da Organização Internacional para as Migrações (OIM) apoia a reinstalação de refugiados e outras vias legais de admissão colocando em contacto toda a variedade de atores envolvidos. A rede inclui entre os seus membros refugiados previamente reinstalados na Europa, os quais podem contribuir com a sua experiência singular e competências para o fomento e o desenvolvimento de programas e práticas nesta vertente. Os membros partilham um compromisso com a reinstalação de refugiados e a sua proteção, de modo a assegurar soluções duráveis e garantir o devido apoio na sua integração.
No contexto português a instituição de referência no enquadramento do asilo, refugiados e a proteção humanitária tem vindo a ser o SEF, “um serviço de segurança, organizado hierarquicamente na dependência do Ministro da Administração Interna, com autonomia administrativa e que, no quadro da política de segurança interna, tem por objetivos fundamentais controlar a circulação de pessoas nas fronteiras, a permanência e atividades de estrangeiros em território nacional, bem como estudar, promover, coordenar e executar as medidas e ações relacionadas com aquelas atividades e com os movimentos migratórios” (n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 252/2000). Ao nível das suas atribuições concretas na área do asilo, cabe-lhe “decidir sobre a aceitação da análise dos pedidos de asilo e proceder à instrução dos processos de concessão, de determinação do Estado responsável pela análise dos respetivos pedidos e da transferência dos candidatos entre os Estados membros da União Europeia” (alínea o) do n.º 1 do artigo 2.º). Esta atribuição tem tradução orgânica na existência de um Gabinete de Asilo e Refugiados ao qual compete: organizar e instruir os processos de asilo; organizar e instruir, nos termos da lei do asilo, os processos de concessão de autorização de residência por motivos humanitários; organizar e instruir os processos de determinação do estado responsável pela análise dos pedidos de asilo e emitir o respetivo salvo-conduto, se necessário; emitir parecer sobre os pedidos de reinstalação de refugiados; emitir parecer sobre os pedidos de concessão e prorrogação de documentos de viagem para refugiados, apresentados nos postos consulares portugueses; e emitir cartões de identidade e títulos de viagem para refugiados, bem como conceder as autorizações de residência previstas na lei de asilo e renovar ou prorrogar os referidos documentos (artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 252/2000).
Assume ainda relevo no panorama institucional português o Conselho Português para os Refugiados (CPR), uma organização não-governamental para o desenvolvimento sem fins lucrativos, criada em 1991 e parceira do ACNUR desde 1993. O seu objetivo principal é promover uma política de asilo mais humana a nível nacional. Na prossecução deste, mantém vários protocolos com o governo português que asseguram o desenvolvimento de ações necessárias nas áreas do acolhimento de requerentes de asilo e integração de refugiados, tais como, por exemplo, o funcionamento e manutenção do Centro de Acolhimento para Refugiados e o Centro para Crianças Refugiadas. É ainda de referir o papel de destaque que lhe é atribuído no sistema de asilo pela Lei n.º 27/2008, de 30 de junho, sobretudo antes da nova redação que foi dada a esta última pela Lei n.º 26/2014, de 5 de maio.
Atendendo à expressão do fluxo de refugiados e ao incremento do afluxo de pessoas deslocadas no contexto europeu, Portugal definiu em 2015 um grupo de trabalho – Grupo de Trabalho para a Agenda Europeia para as Migrações (Despacho n.º 10041-A/2015) – para proceder ao mapeamento dos recursos existentes no território nacional, por forma a instalar e integrar refugiados e indivíduos objeto de proteção internacional. Este grupo de trabalho, coordenado pelo SEF, contou com pontos focais de várias instituições públicas, nomeadamente o ACM, e representantes da sociedade civil organizados desde 2015 na Plataforma de Apoio aos Refugiados.
Assim, a partir de 2015 o Alto Comissariado para as Migrações (ACM) passou a assumir também competência no domínio da integração dos refugiados recolocados e reinstalados em Portugal. Neste âmbito criou em 2015 o Gabinete de Apoio à Integração de Refugiados que viria a tornar-se em 2017, por decisão do Conselho Diretivo do ACM, no Núcleo de Apoio à Integração de Refugiados (NAIR) (Deliberação n.º 82/2017, de 6 de fevereiro). Foram ainda introduzidas as responsabilidades do ACM neste domínio no enquadramento dos seus serviços e programas de acolhimento e integração de migrantes, nomeadamente na Rede Nacional de Apoio à Integração de Migrantes (RNAIM) (Portaria n.º 203/2016, de 25 de julho). Mais recentemente, as normas de execução do Orçamento do Estado para 2018 preveem, mediante protocolo a celebrar entre as duas entidades, a transferência do SEF para o ACM de responsabilidades relativas ao acolhimento de pessoas refugiadas no âmbito do programa de recolocação e de reinstalação de refugiados da Turquia no âmbito da Agenda Europeia das Migrações (artigo 119.º do Decreto-Lei n.º 33/2018, de 15 de maio).