No dia 20 de junho de 2022, Dia Mundial dos Refugiados, o Observatório das Migrações (OM) promoveu uma edição dos Diálogos OM dedicada ao tema Trajetórias de Refúgio em Portugal.
Este evento OM que decorreu presencialmente na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, e teve transmissão online em direto, contou com 104 participantes, provenientes sobretudo de serviços públicos e de outras instituições envolvidas na integração de refugiados e requerentes de asilo em Portugal, incluindo as fontes de dados estatísticos e administrativos que contribuíram para o relatório, Câmaras Municipais, IPSS, organizações internacionais e da sociedade civil, assim como investigadores do meio académico, estudantes do ensino superior, jornalistas, entre outros.
Esta sessão, que contou com a presença da Secretária de Estado da Igualdade e Migrações, Isabel Almeida Rodrigues, e do Vogal do Conselho Diretivo do ACM, José Reis, integrou o lançamento do Relatório Estatístico do Asilo 2022 – Requerentes e Beneficiários de Proteção Internacional em Portugal, da autoria de Catarina Reis Oliveira, Diretora do OM e Coordenadora da Coleção Imigração em Números.
A sessão incluiu também um painel dedicado ao tema Experiências femininas de refúgio, em que foi lançado o mais recente volume da Coleção Estudos OM: Trajetórias de refúgio: análise de género, intersecionalidade e políticas públicas em Portugal, de Beatriz Padilla, Thais França e Adriana Vieira (Estudo OM #71). Este painel integrou ainda a apresentação de dois volumes da Coleção Teses OM: A violência sexual e de género nos campos de população refugiada: Enquadramento e análise legal, de Tatiana Morais (Tese OM #52); e Políticas, Instituições e Percursos Migratórios de Mulheres e Meninas Refugiadas em Portugal e Dinamarca, de Sofia de Almeida (Tese OM #54).
Seguiu-se um painel de debate, moderado por Vera Eloi da Fonseca, Coordenadora da Equipa de Projeto Desigualdades Intersecionais do ACM, com vários convidados: Joana Topa (ISMAI e CIEG, ISCSP-ULisboa), Pedro Góis (CES - Universidade de Coimbra), Cristina Santinho (CRIA - ISCTE-IUL), Inês Carreirinho (Conselho Português para os Refugiados), Ana Sofia Branco (Santa Casa da Misericórdia de Lisboa) e Enise Dalci (Iniciativa de Empoderamento das Mulheres em Situações de Refúgio / Fórum Refúgio Portugal).
Na abertura da sessão, a Secretária de Estado da Igualdade e Migrações, Isabel Almeida Rodrigues, salientou a importância dos Relatórios Estatísticos do Asilo do Observatório das Migrações para a monitorização da resposta nacional em termo de proteção internacional. Isabel Almeida Rodrigues destacou também as alterações implementadas em Portugal nos últimos anos para reforçar a resposta à proteção internacional e a abertura do país ao acolhimento de refugiados na sequência das recentes crises internacionais no Afeganistão e na Ucrânia. No final da sua intervenção, a Secretária de Estado da Igualdade e Migrações lançou ao OM e ao ACM o desafio da criação de um grupo de trabalho sobre dados estatísticos dentro do Grupo Operativo Único, com o objetivo de estabilizar a informação administrativa e estatística, cujos dados são determinantes para aprofundar os processos de integração.
Na apresentação do Relatório Estatístico do Asilo 2022 - Requerentes e Beneficiários de Proteção Internacional em Portugal, a autora Catarina Reis de Oliveira, Diretora do Observatório das Migrações, começou por agradecer o empenho das várias instituições que permitiram o acesso aos dados administrativos nacionais que serviram de base às análises efetuadas no Relatório.
Catarina Reis Oliveira realçou de seguida as principais tendências identificadas no Relatório Estatístico do Asilo 2022 - Requerentes e Beneficiários de Proteção Internacional em Portugal:
- Nos últimos anos houve um incremento das populações deslocadas no mundo devido a guerras, conflitos armados ou violação dos direitos humanos: em 2020 atingiu-se um valor inédito de 1 em cada 95 pessoas no mundo deslocada contra a sua vontade (uma década antes era 1 em cada 159 pessoas no mundo).
- Portugal não se encontra entre os principais destinos de proteção internacional no mundo ou na Europa: a Europa concentra apenas 12,9% dos refugiados do mundo e Portugal só 0,1% dos deslocados em proteção na União Europeia.
- A pandemia COVID-19 fez diminuir o número de pedidos de proteção internacional à Europa (e a Portugal) em 2020 e 2021: em 2020, houve -33% de requerentes na UE27 e -4% de decisões proferidas na UE27; em Portugal, verificaram-se -45% de pedidos e -44% de decisões; embora se recupere ligeiramente em 2021.
- As nacionalidades mais representadas nos requerentes de proteção na UE27 são os nacionais da Síria e Afeganistão.
- Os pedidos de proteção internacional na UE27 são dominados por pessoas do sexo masculino (mais de metade em todos os Estados-membros) e por pessoas com 18 a 34 anos de idade.
- Em 2020, Portugal esteve entre os Estados-membros com maiores taxas de recusa de proteção, por ter incrementado o número de pedidos infundados e inadmissíveis no país - Portugal teve maior prevalência de pedidos de proteção por nacionalidades com baixa taxa de reconhecimento da necessidade de proteção; em 2021, Portugal regressou ao grupo de países com maiores taxas de deferimento de pedidos de proteção.
- Na UE27, a concessão do estatuto de refugiado prevalece por comparação ao estatuto de proteção subsidiária, mas varia de país para país em função do perfil de requerentes.
- As mulheres e os menores de idade apresentam taxas de reconhecimento mais elevadas da necessidade de proteção, na UE27.
- A taxa de desistência de pedidos de proteção internacional varia de país para país, em função do perfil dos requerentes (há nacionalidades com maior prevalência de abandonos).
- Verificou-se um reforço das respostas europeias através de mecanismos europeus de proteção internacional, sendo o ano de 2021 marcado pelo programa de admissão humanitária de afegãos
- Entre 2015 e 2021, a chegada de pessoas para proteção internacional em Portugal assumiu oito canais distintos: (1) pedidos espontâneos ou não programados; (2) mecanismo de recolocação 2015/2018; (3) Acordo Turquia; (4) Reinstalação; (5) Recolocação ad hoc de barcos humanitários; (6) Recolocação por Acordo Bilateral com Grécia; (7) Recolocação voluntária de Menores Não Acompanhados da Grécia; e (8) programa de Admissão Humanitária de Afegãos.
- Observa-se um incremento dos pedidos de proteção a Portugal nos últimos anos: de 275 pedidos em 2011, o país passou para 1.834 pedidos em 2019, valor mais elevado alguma vez apurado no país; em 2020, porém, Portugal regista uma redução do número de pedidos de proteção internacional em território nacional para 1.002, o que reflete os efeitos da pandemia COVID-19; já em 2021, o país recupera o número de pedidos para 1.537, muito por consequência da sua adesão ao programa de admissão humanitária de afegãos.
- Os requerentes de proteção internacional têm direito a receber apoio social para o seu acolhimento no país, caso não disponham de recursos socioeconómicos; estima-se que metade dos beneficiários de proteção internacional em Portugal se encontrava no final de 2021 em acompanhamento social (não autónomos).
- Desde 2015 existem em Portugal dois modelos de acolhimento: um para pedidos espontâneos ou não programados e outro para chegadas programadas através de mecanismos europeus (durante 18 meses).
- No final de 2021 estariam em Portugal 2.725 beneficiários de proteção internacional com título válido, valor que inclui o incremento do reagrupamento familiar em extensão à proteção internacional concedida.
- Identifica-se um incremento das aquisições de nacionalidade portuguesa entre beneficiários de proteção internacional.
O relatório completo pode ser consultado aqui e o seu sumário aqui.
Com base nos dados analisados no Relatório Estatístico do Asilo 2022, foi também lançada a nova Infografia do OM sobre Proteção Internacional em Portugal, disponível aqui.
O painel Experiências femininas de refúgio iniciou-se com o lançamento do Estudo OM #71, Trajetórias de refúgio: análise de género, intersecionalidade e políticas públicas em Portugal, apresentado por duas das autoras, Beatriz Padilla e Adriane Vieira. Este estudo partiu de uma perspetiva de género e visou compreender as trajetórias e experiências vivenciadas por mulheres em situação de refúgio em Portugal, especificamente na Área Metropolitana de Lisboa. Na apresentação dos resultados as autoras destacaram os desafios e obstáculos específicos vivenciados pelas mulheres em situação de refúgio (distintas formas de violência ao longo das suas trajetórias de refúgio, desafios da maternidade e responsabilidades com os filhos), o processo de negociação e aprendizagem dos papéis de género experienciado pelas refugiadas, e a necessidade de um maior enfoque na perspetiva de género nas políticas e programas/projetos destinados a pessoas refugiadas. O estudo completo pode ser encontrado aqui e o seu sumário aqui.
Seguiu-se a apresentação da Tese OM #52, A violência sexual e de género nos campos de população refugiada: Enquadramento e análise legal, de Tatiana Morais, que começou por enquadrar os diferentes tipos de violência enfrentados pelas mulheres refugiadas ao longo das várias fases do ciclo de refúgio, apresentando depois os detalhes da sua investigação, que se focou nas sobreviventes de violência sexual e de género em campos de população refugiada no Quénia e na Etiópia, procurando refletir sobre uma possível resposta a estes casos, baseada na integração da mediação penal, um mecanismo de justiça restaurativa, no sistema de justiça penal. A Tese completa pode ser consultada aqui.
A última apresentação do painel foi a da Tese OM #54, Políticas, Instituições e Percursos Migratórios de Mulheres e Meninas Refugiadas em Portugal e Dinamarca, de Sofia de Almeida, que no seu estudo procurou explorar o impacto das políticas de asilo e das práticas institucionais nos processos migratórios de mulheres e meninas refugiadas em Portugal e na Dinamarca, a partir das suas experiências e perceções ao longo do percurso. A comparação entre as experiências das mulheres refugiadas nos dois países permitiu uma reflexão sobre as políticas e as práticas e mecanismos existentes nos diferentes contextos. A Tese encontra-se disponível aqui.
Para debater os resultados destas publicações do OM, o evento contou de seguida com um painel de comentadores que integrou representantes da academia (Joana Topa, do ISMAI e do CIEG do ISCSP-ULisboa; Pedro Góis, do CES da Universidade de Coimbra; e Cristina Santinho, do CRIA do ISCTE-IUL), das instituições de apoio aos refugiados (Inês Carreirinho, do Conselho Português para os Refugiados; e Ana Sofia Branco, da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa) e das associações de refugiados (Enise Dalci, da Iniciativa de Empoderamento das Mulheres em Situações de Refúgio / Fórum Refúgio Portugal). Este painel de debate foi moderado por Vera Eloi da Fonseca, Coordenadora da Equipa de Projeto Desigualdades Intersecionais, ACM.
No encerramento da sessão, o Vogal do Conselho Diretivo do ACM, José Reis, agradeceu os contributos trazidos pelos vários estudos apresentados para a definição de políticas públicas informadas, salientando as atividades já desenvolvidas pelo ACM na promoção de respostas sensíveis ao género.
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