Adaptado do Estudo OM Empregadores e Empreendedores Imigrantes: Tipologia de Estratégias Empresariais, de Catarina Reis Oliveira, pp. 119-183. |
O contexto político e legal no qual o empreendedorismo imigrante se desenvolve, bem como as instituições que o governam ou enquadram, são relevantes para explicar a evolução da iniciativa empresarial dos imigrantes num dado país de acolhimento.
Acompanhando a tendência europeia, mas também antecipando algumas medidas e políticas de integração para imigrantes, em Portugal é possível identificar ao longo das últimas décadas mudanças no enquadramento institucional e legal que têm afetado a iniciativa e o investimento empresarial imigrante no país. O contexto nacional para os empresários em geral também foi evoluindo, sendo identificado que só a partir da segunda metade da década de 1990 é que Portugal começou a definir várias políticas, medidas e incentivos dirigidos às empresas (Guerreiro et al. 2000: 25). É também no final da década de 1990 que o fenómeno do empreendedorismo imigrante ganha visibilidade, aumentando as taxas de empreendedorismo dos estrangeiros, refletindo maior diversidade nas nacionalidades das populações estrangeiras a entrar e a residir no país e maior variedade nas estratégias de inserção económica no país (Oliveira, 2004). A evolução e o enfoque das políticas e medidas desenvolvidas em Portugal ao longo das últimas décadas (entre 1980 e 2018), com implicações na iniciativa empresarial imigrante, assume várias fases e características que são aprofundadas em Oliveira (2019: 119-183).
As primeiras orientações da política de imigração nacional centraram-se, de forma parcelar, na captação e gestão de fluxos de imigrantes não qualificados e laborais destinados a ocupar vagas no mercado de trabalho português e/ou os trabalhos que os portugueses não queriam desempenhar (Oliveira e Pires, 2010). Com a viragem para o século XXI, também por força de novos fluxos migratórios com perfis mais diversificados (e.g. europeus de leste com mais qualificações por comparação aos cidadãos dos PALOP), surgem novas orientações políticas que passam a mostrar um interesse crescente também pelos imigrantes qualificados e os empreendedores. A iniciativa empresarial imigrante, em particular, passou a ser percecionada não apenas como uma alternativa à inserção dos imigrantes no mercado de trabalho português – por vezes em situações de exclusão social, de discriminação, de sobre qualificação e de desemprego prolongado –, mas também como uma forma de permitir a mobilidade social de alguns imigrantes e a criação de novos postos de trabalho no país (Oliveira, 2004). Assim, a perceção do potencial da imigração foi-se tornando evidente um pouco por todo o país através de inúmeras iniciativas, medidas, programas e projetos de natureza governamental, privada, do terceiro setor e/ou mistos (Oliveira, 2008).
Atendendo à evolução do enquadramento jurídico e/ou das políticas governamentais, o momento de chegada dos imigrantes determina também diferentes oportunidades ou constrangimentos com que se deparam na sua inserção no mercado de trabalho português e, assim, a própria iniciativa empresarial. Assume-se que o empreendedorismo imigrante não surge num vácuo económico, legal e institucional, mas atende também às condições políticas e reguladoras do contexto onde se insere.
Segundo Oliveira (2019: 131-153), é possível identificar três grandes períodos no enquadramento legal português que interferiram na evolução e nos contornos da iniciativa empresarial imigrante: (I) o primeiro período desenrola-se entre 1981 e 1998, com um enquadramento que era omisso relativamente aos empresários imigrantes; (II) o segundo período, entre 1998 e 2007, com um enquadramento que inibia a iniciativa empresarial dos imigrantes; e (III) o terceiro período a partir de 2007 (com revisões e aprofundamentos em 2012, 2015, 2018 e 2019), com políticas de incentivo e captação de empresários e investidores imigrantes.
A verdadeira mudança do quadro jurídico português inicia-se com a publicação da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional. Desde 2007 não apenas se removeram vários obstáculos identificados nos quadros legislativos precedentes, como se vieram a implementar políticas públicas de incentivo ao empreendedorismo imigrante. Desde logo, na própria lei, que “cria formalmente pela primeira vez um título legal especial para os empreendedores imigrantes” (Oliveira, 2019: 139). A Lei n.º 29/2012, de 9 de agosto, veio ainda introduzir a autorização de residência para atividade de investimento (ARI), comummente designada visto gold.
Em 2017 foi publicada a Lei n.º 59/2017, de 31 de julho, abrindo-se um novo período (2017-2019) que induziu a um aumento dos fluxos de entrada deste perfil de imigrantes em Portugal nos últimos anos, caracterizado desde logo pela “dispensa de um visto de residência válido, desde que o cidadão estrangeiro tenha entrado legalmente em território nacional. Deste modo passa a estar salvaguarda a possibilidade do imigrante criar o seu próprio emprego para adquirir uma autorização de residência no país, mais se vislumbrando o enquadramento para conter eventuais situações de participação na economia informal de imigrantes empreendedores com descontos para a segurança social” (Oliveira, 2019: 151). Outra novidade recente é o alargamento, por via da Lei n.º 102/2017, de 28 de agosto, da tipologia de autorizações de residência para exercício de atividade profissional independente ou para imigrantes empreendedores de modo a contemplar o “nacional de Estado terceiro que desenvolva projeto empreendedor, incluindo a criação de empresa de base inovadora, integrado em incubadora certificada”. Mais recentemente, a Lei n.º 28/2019, de 29 de março, estabelece uma presunção de entrada legal na concessão de autorização de residência para o exercício de atividade profissional, o que facilita o ingresso na atividade independente aos imigrantes que já estejam em Portugal.
Para além dos determinantes jurídicos, há que considerar as mudanças operadas no país ao nível do enquadramento institucional e do desenvolvimento de medidas e programas de apoio e incentivo ao empreendedorismo imigrante, promovidos tanto pelo Estado português, como por associações não lucrativas ou mesmo pela banca. O mais recente Programa Startup Visa, ou o Programa Estratégico para o Empreendedorismo e Inovação para a concretização da estratégia Europa 2020 ou ainda o Programa Operacional da Economia (POE) integrado no Quadro Comunitário de Apoio (QCA III), da década passada, traduzem bem as preocupações dos sucessivos governos nesta vertente. Pese embora não seja de hoje a existência de uma variedade de medidas e ações estatais de incentivo ao empreendedorismo, nos últimos anos verificou-se um intensificar da oferta de programas por força do contexto de fragilidade económico-financeira que tem vivido o país, e um incremento de medidas e ações específicas para os empreendedores e investidores imigrantes.
Desde a viragem do século, Portugal foi desenvolvendo inúmeras medidas e políticas nesta vertente, reconhecendo algumas lacunas e alguns bloqueios que existiam no país para os empreendedores imigrantes. Desde logo são destacados os planos de ação para a integração de imigrantes desenvolvidos no país desde 2007, com o intuito de responder de forma holística a bloqueios de integração dos imigrantes, tendo incluído medidas de apoio ao empreendedorismo imigrante que reduzissem as barreiras e constrangimentos à iniciativa empresarial imigrante no país e de encontrar alternativas para a integração dos imigrantes no mercado de trabalho: o primeiro Plano para a Integração dos Imigrantes (PII), promovido pelo então Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI, atual ACM) implementado entre 2007 e 2009 (Resolução do Conselho de Ministros n.º 63-A/2007, de 3 de maio), contemplou o “incentivo ao empreendedorismo empresarial dos imigrantes” (medida 13). O plano de ação subsequente, com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 74/2010, de 17 de setembro, voltou a ter uma medida nesta vertente prevendo o “reforço do incentivo ao empreendedorismo imigrante” (medida 14). Esta preocupação ficou também evidente no Plano Estratégico para as Migrações (2015-2020) (Resolução do Conselho de Ministros n.º 12-B/2015, de 20 de março), também promovido pelo ACM, que integrou múltiplas medidas apontadas à promoção do empreendedorismo imigrante ainda em implementação.
Numa análise dos desenvolvimentos institucionais e de políticas das últimas quatro décadas, Oliveira (2019: 153-183) identifica e analisa de forma sistemática vários exemplos e os seus impactos ao longo do tempo, destacando três grandes áreas de intervenção: (1) criação de oportunidades; (2) formação e capacitação para o empreendedorismo; (3) apoio a startups imigrantes.
No panorama institucional do contexto nacional, ao nível da criação de oportunidades e do apoio a start-ups, é incontornável o papel do IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação, I.P., que “tem por missão promover a competitividade e o crescimento empresarial, visando o reforço da inovação, do empreendedorismo e do investimento empresarial, nas empresas que exerçam a sua atividade nas áreas sob tutela do MEE, com exceção do setor do turismo, designadamente das empresas de pequena e média dimensão”. Atualmente o IAPMEI é responsável pelo mais recente programa StartUP Visa para empreendedores estrangeiros ligados ao empreendedorismo desenvolvido em incubadoras certificadas.
Ao nível da formação e da capacitação para o empreendedorismo, deve destacar-se a intervenção do Programa de Promoção do Empreendedorismo Imigrante (PEI), criado em 2009 pelo ACIDI (atual ACM), com o intuito de promover o emprego num país em contexto de crise económica e aumento do desemprego. Desde 2015 o PEI está integrado no Gabinete de Apoio ao Empreendedor Migrante (GAEM) do ACM que funciona no Centro Nacional de Apoio à Integração de Migrantes (CNAIM) de Lisboa. Este programa com dez anos de existência tem como objetivos específicos: (1) gerar no participante uma atitude empreendedora perante a vida que promova a autoestima e a confiança em si próprio; (2) desenvolver competências pessoais, sociais e de gestão empresarial fundamentais à criação de um negócio sustentado; (3) promover a ligação entre potenciais empreendedores e programas de apoio ao empreendedorismo já existentes; e (4) induzir à formalização de negócios já existentes na economia informal. A formação subjacente ao projeto, designada de curso de “Apoio à Criação de Negócios”, baseia-se em 10 sessões coletivas (total de 30 horas) e 8 sessões individuais que correspondem a um total de 62 horas de formação distribuídas ao longo de 10 semanas, nas quais os formandos têm acesso também a um manual – Dossier do Empreendedor. Apoio à Criação de Negócios – desenvolvido a partir de fichas. No fim da formação recebida espera-se que os participantes, caso pretendam tornar-se empresários, apresentem uma proposta de negócio sustentável. Em função da qualidade da proposta apresentada os participantes recebem, para além da declaração de formação, uma carta de recomendação que lhes permite viabilizar o projeto.
Entre os resultados deste programa, destacam-se prémios europeus (no âmbito dos Prémios Europeus de Promoção Empresarial 2012, o PEI foi distinguido na categoria de empreendedorismo responsável e inclusivo, e mais recentemente, em julho de 2019, o GAEM, onde atualmente se integra o PEI, obteve primeiro lugar na categoria de Empreendedorismo Inclusivo e Responsável da fase nacional dos Prémios Europeus de Promoção Empresarial, promovidos pela Comissão Europeia e coordenados em Portugal pelo IAPMEI), e centenas de beneficiários desde a criação do programa. Entre a sua criação em 2009 e o final de 2018, o PEI envolveu cerca de 2.161 participantes (mais de 60% mulheres), 40 parceiros locais, promoveu 127 cursos de apoio à criação de negócios (aos quais se somam mais 19 sem coordenação do ACM), conferindo 1.293 certificados de frequência e 453 cartas de recomendação, e conduziu à criação de 179 negócios.
Pese embora estes exemplos não sejam exaustivos das respostas, medidas e programas criados nos últimos anos em prole do empreendedorismo imigrante, permitem ilustrar uma realidade que tem vindo a ser reforçada na última década no país.