Adaptado do Estudo OM Empregadores e Empreendedores Imigrantes: Tipologia de Estratégias Empresariais, de Catarina Reis Oliveira, pp. 25-52. |
O estudo das estratégias empresariais de imigrantes tem-se mostrado um tema relevante na literatura científica acerca dos fluxos migratórios, tendo sido incorporado no corpus das ciências sociais na década de 1970. O reconhecimento da sua importância resultou do próprio crescimento e impacto das iniciativas empresariais imigrantes em vários contextos de acolhimento.
A investigação em torno deste fenómeno social começou nos Estados Unidos da América (EUA), em particular, com a publicação do livro Ethnic Enterprise in América de Ivan Light (1972). Mais tarde, em meados da década de 1980, a importância deste fenómeno também era reconhecido na Europa com a publicação dos livros Small Entrepreneurs in Changing Europe de Boissevain (1981) e Ethnic communities in business de Ward e Jenkins (1984). Desde então inúmeros argumentos emergiram para explicar porque é que determinados grupos de imigrantes são mais propensos a desenvolver atividades empresariais, culminando na identificação de dois grandes eixos explicativos: (1) as características do grupo imigrante e (2) condições do contexto de acolhimento na sua vertente económica, social, política e institucional.
O primeiro eixo explicativo, desenvolvido essencialmente nos EUA, associou-se à identificação de características culturais e de solidariedade inerentes às comunidades empresariais imigrantes. Os primeiros estudos acerca de empresários imigrantes em sociedades de acolhimento tenderam a explicar a motivação para a iniciativa empresarial a partir de heranças culturais específicas. Seguindo uma lógica weberiana, alguns cientistas acreditaram que é possível identificar alguns valores e referências culturais que potenciam o espírito empreendedor. Estas explicações mono causais isolaram a importância da família e dos recursos étnicos da comunidade (conceptualização de Light e Gold, 2000). A ênfase dada aos recursos étnicos e ao papel das redes de solidariedade ganhou particular destaque na teoria dos enclaves étnicos (Wilson e Portes, 1980; Portes e Manning, 1986), desenvolvida essencialmente nos Estados Unidos da América, evidenciando que algumas comunidades imigrantes constroem mercados fechados e protegidos onde garantem melhores rendimentos do que conseguiriam na economia “aberta” (Wilson e Portes, 1980; Portes e Manning, 1986; Portes e Stepick, 1993). Os investigadores deste eixo explicativo tiveram em consideração a predisposição cultural para a atividade empresarial, identificando valores culturais como recursos para os empresários imigrantes.
Contudo, as leituras baseadas exclusivamente em atributos culturais provaram ser perigosas e responsáveis pela criação de estereótipos acerca de determinados grupos de imigrantes (Chan e Cheung, 1985:145). Em resultado, Ivan Light (1979) foi o mentor de uma corrente reativa à teoria culturalista, realçando o facto de os recursos étnicos (identificados nos modelos culturalistas) não serem só oportunidades, mas também obrigações e deveres para os imigrantes. O autor e os seus seguidores demonstraram ainda que nem todos os imigrantes têm acesso da mesma forma a esses recursos e/ou oportunidades da sua comunidade.
Sob a forma de crítica às leituras puramente culturalistas, surge também a teoria das desvantagens (Light, 1979). Esta teoria veio explicar a atividade empresarial a partir de constrangimentos e situações de exclusão vividas pelos imigrantes. Procurando realçar como a hostilidade da população autóctone em relação aos imigrantes e as desvantagens desses no acesso ao mercado de trabalho podem conduzir à atividade empresarial, Bonacich (1973) desenvolveu a sua teoria acerca das minorias intermediárias. A autora explica que a iniciativa comercial, o maior número de horas de trabalho e a solidariedade comunitária são na realidade respostas à necessidade de ter um emprego para poupar o máximo de capital e regressar rapidamente ao país de origem.
O segundo eixo explicativo começou por ser definido a partir do reconhecimento da relevância das oportunidades e constrangimentos que os imigrantes encontram na economia ou mercado de trabalho da sociedade de acolhimento, com evidencias essencialmente de sociedades europeias (Ward e Jenkins, 1984; Aldrich e Waldinger, 1990; Sassen 1995; Jones et al. 2000). Neste contexto, foi observado que a atividade empresarial pode surgir como uma reação das populações imigrantes à discriminação do mercado de trabalho e/ou a bloqueios no acesso a oportunidades de mobilidade social ascendente. Para alguns destes investigadores a iniciativa empresarial é vista como uma estratégia de sobrevivência de imigrantes que ocupavam uma posição marginal no mercado de trabalho da sociedade de acolhimento.
Vários investigadores têm vindo a defender que estes eixos explicativos não são mutuamente exclusivos, ou seja, é possível que algumas das iniciativas empresariais de imigrantes sejam o resultado da combinação de vários desses fatores (Ward e Jenkins, 1984; Waldinger et al., 1990; Kloosterman e Rath, 2001). Neste âmbito vários esforços foram sendo feitos para definir modelos que combinem a influência das estruturas da sociedade de acolhimento e dos próprios grupos imigrantes.
O livro Ethnic Entrepreneurs de Waldinger, Aldrich e Ward (1990) foi o primeiro exemplo de uma observação integrada das estratégias empresariais imigrantes. Waldinger, Aldrich e Ward (1990), combatendo as teorias unidimensionais, desenvolveram o modelo interativo. Considerando que as características e os recursos dos grupos de imigrantes devem ser lidos na sua interação com a estrutura de oportunidades, os investigadores optaram por explicar as atividades empresariais dos imigrantes na sua relação com o mercado, contemplando a procura (o que o contexto de acolhimento procura) e a oferta (o que os imigrantes oferecem). Assim, na estrutura de oportunidades da sociedade de acolhimento (ou procura) os autores identificaram as relações que se estabelecem entre empresários, consumidores e concorrentes (coétnicos, nativos ou de outros grupos de imigrantes). Por sua vez no lado da oferta, os autores consideraram os fatores de predisposição e os recursos que os imigrantes mobilizam nas suas redes de contactos privilegiados. Ainda segundo aqueles autores, as estratégias empresariais étnicas emergem nessa interação entre a estrutura de oportunidades e as características dos grupos de imigrantes.
Embora o modelo interativo tenha sido um importante contributo para a discussão neste campo científico, principalmente porque definiu a primeira perspetiva inclusiva das estratégias empresariais dos imigrantes e abriu portas para a discussão teórica e a investigação empírica, apresenta algumas limitações. Como Rath (2000:7) realçou, Waldinger e coautores assumiram que os imigrantes definem naturalmente estratégias empresariais étnicas só porque partilham uma etnicidade ou identificam-se com um grupo com traços étnicos e tradições culturais específicas.
Respondendo às críticas que foram sendo apontadas ao modelo interativo, surge o modelo de encastramento misto (“mixed embeddedness”) de Kloosterman e Rath (2001), realçando que o estudo da empresarialidade imigrante é bastante mais complexo do que a análise económica da relação entre procura e oferta tenta mostrar. Em particular, as oportunidades do lado da procura têm de ser acessíveis aos imigrantes aspirantes a empresários, o que nem sempre é o caso. Neste âmbito é fundamental considerar a influência de obstáculos, regras e leis definidas na sociedade de acolhimento.
Contudo, apesar dos autores reconhecerem que o encastramento dos imigrantes nas diferentes esferas (e.g. cultural, económica, social e política) é complexo e diverso, não tiveram em consideração que os imigrantes podem não usar todas as esferas de encastramento na definição da sua estratégia empresarial (Oliveira, 2007). Na realidade algumas esferas de encastramento podem mesmo não ser mobilizadas porque são inibidoras dos objetivos de inserção económica dos imigrantes na sociedade de acolhimento (e.g. comunidades que se inserem no mercado de trabalho em determinados nichos e em atividades por conta de outrem, não disponibilizando recursos empresariais aos seus conterrâneos).
Por outro lado, identifica-se um obstáculo fundamental que explica a diversidade de estratégias empresariais entre os imigrantes: nem todos os imigrantes têm acesso aos mesmos recursos e oportunidades para desenharem uma estratégia empresarial (Oliveira, 2004, 2005, 2007 e 2008), nem os recursos e as oportunidades empresariais estão distribuídas equilibradamente no território e ao longo do tempo. Assim, o projeto de delineação estratégica é um processo criativo e inconstante uma vez que depende dos recursos e oportunidades que o imigrante vai conseguindo reunir.
Foi exatamente a partir desta leitura crítica dos principais contributos disponíveis para compreender as estratégias empresariais de imigrantes que Oliveira (2005, 2007 e 2010) desenvolveu um modelo teórico tridimensional, que denominou de Modelo Heurístico de Estratégias Empresariais Imigrantes. O modelo heurístico desenvolvido evidencia que, ao contrário do que defendem Waldinger e seus associados, as estratégias empresariais desenvolvidas por grupos de origem imigrante em diferentes sociedades de acolhimento são extraordinariamente diversas, mesmo comparando imigrantes da mesma origem. Os empresários imigrantes não definem exclusivamente estratégias étnicas, podendo mesmo atuar como qualquer empresário nativo (Oliveira, 2005; Oliveira, 2007). Em Portugal é possível identificar algumas semelhanças entre as estratégias empresariais dos nativos portugueses e dos imigrantes, em particular, no que diz respeito ao recurso de trabalho familiar e de capital financeiro da família (compare-se os resultados de Guerreiro, 1996 e de Oliveira, 2005). Adicionalmente, contactos privilegiados com não coétnicos e/ou ligações a redes sociais não comunitárias podem também ser uma fonte importante de recursos para a estratégia empresarial. Deste modo, não só os imigrantes (e da mesma origem) podem definir diferentes estratégias empresariais por todo o mundo, como também é possível identificar numa mesma cidade diversas estratégias empresariais (Oliveira, 2005).
Apesar das limitações que foram sendo sucessivamente identificadas nos modelos teóricos e perspetivas apresentadas no âmbito do estudo das iniciativas empresariais imigrantes, é reconhecido o seu interesse, relevância e valor para serem testados em diferentes contextos de receção de empresários imigrantes, nomeadamente em Portugal.