Imigrantes e segurança social no contexto nacional

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Imigrantes e segurança social no contexto nacional

O sistema de Segurança Social português, à semelhança do verificado nos demais Estados sociais, define um contrato social que pressupõe a responsabilidade coletiva das pessoas entre si na realização das finalidades do sistema e envolve o concurso do Estado no seu financiamento (artigo 8.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro). Compete nomeadamente ao sistema: a efetivação do direito a mínimos vitais dos cidadãos em situação de carência económica; a prevenção e a erradicação de situações de pobreza e de exclusão; a compensação por encargos familiares; e a compensação por encargos nos domínios da deficiência e da dependência (artigo 26.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro).

Os direitos e deveres sociais dos cidadãos decorrem da própria Constituição Portuguesa que no seu artigo 63.º estabelece que todos têm direito à segurança social e incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, prevendo-se que o sistema de segurança social protege os cidadãos da doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.

Sendo um sistema, por definição, um conjunto de elementos interdependentes que forma um todo organizado, a compreensão do seu funcionamento passa necessariamente pelo conhecimento de alguns desses elementos, bem como dos seus inputs e outputs, que neste caso são as contribuições e as prestações sociais. As contribuições para a segurança social são, na sua definição, quantias determinadas pela aplicação das percentagens fixadas na lei sobre as remunerações ou equiparadas (bases de incidência), sendo devidas pelo beneficiário (trabalhadores por conta de outrem, trabalhadores por conta própria ou subscritores do seguro social voluntário) e, no caso dos trabalhadores por conta de outrem, também pela respetiva entidade empregadora a fim de contribuírem para o financiamento dos Regimes da Segurança Social. Por sua vez, as prestações sociais são transferências, pecuniárias ou em espécie, com ou sem condições de recursos, às famílias ou particulares, efetuadas pelos regimes de proteção social e destinados a atenuar o encargo que representa para os beneficiários a proteção contra um certo número de riscos ou necessidades. Estes fluxos tipicamente assentam nas mesmas pessoas, que assumem ora o papel de contribuintes, ora o de beneficiários. O contribuinte da segurança social é, na sua definição, toda a pessoa singular ou coletiva sobre a qual recai a obrigação de contribuir para os regimes da Segurança Social, designadamente as pessoas singulares que exercem atividade profissional subordinada, as respetivas entidades empregadoras e os trabalhadores independentes. A mesma pessoa singular será também beneficiário da segurança social na medida em que se encontre inscrita como titular do direito a proteção social no âmbito dos Regimes da Segurança Social, contributivos e não contributivos.

No que toca à relação entre imigrantes e segurança social, o direito dos estrangeiros residentes, lato sensu, à participação no sistema está salvaguardado para todos os que trabalhem e residem em Portugal, bem como as suas famílias, estando sujeitos aos mesmos deveres e direitos que os cidadãos nacionais, não existindo qualquer regime especial para os imigrantes. Alguns condicionalismos estão, porém, previstos para os cidadãos estrangeiros: o acesso ao sistema depende da obrigatoriedade da inscrição (da responsabilidade dos empregadores ou do próprio trabalhador) e de um período mínimo de contribuições para poder obter prestações sociais, não podendo aceder a prestações sociais indivíduos sem título de residência válido em Portugal. As contrapartidas do sistema de proteção social, como resultado das contribuições efetuadas para a segurança social, estão assim sujeitas a algumas condições no caso dos estrangeiros residentes, nomeadamente a residência em território nacional por períodos mínimos e com contribuições efetuadas.

A prática deste enquadramento legal tem assumido, ainda, ao longo do tempo alguns desafios aos imigrantes, nomeadamente no seu acesso a contrapartidas das contribuições efetuadas para o sistema, conforme atestava a Recomendação do Provedor de Justiça N.º 4/B/05, de 7 de junho de 2005, que viria a ser consagrada na Portaria n.º 458/2006, de 18 de maio. Mudanças legislativas têm também conduzido a importantes impactos no volume de titulares de prestações sociais (nomeadamente de titulares de nacionalidade estrangeira residentes no país) ou dos montantes de prestações sociais atribuídas. Como mostrou um estudo recente promovido pelo EUROFOUND (2015: 60), que analisou vários países da União Europeia, entre os quais Portugal, algumas mudanças nas políticas e nas medidas dirigidas às famílias durante os anos da crise económica na realidade – porque tornaram mais restritivos os critérios de elegibilidade no acesso e diminuíram os montantes concedidos – fizeram decrescer o número de famílias e de crianças com acesso a prestações sociais e a proteção social, e geraram impactos nas famílias beneficiárias ao reduzirem os montantes atribuídos por titulares. A alteração de 2012 do regime jurídico de proteção social português (Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27 de junho) - que veio rever os regimes jurídicos de proteção social em caso de doença, maternidade, paternidade e adoção e morte, de encargos familiares do subsistema de proteção familiar e do rendimento social de inserção -, é usada como exemplo no estudo para mostrar impactos negativos diretos no número de famílias e crianças (nomeadamente estrangeiras residentes em Portugal) com acesso a prestações sociais. Este enquadramento mereceu também, mais tarde, a apreciação do Tribunal Constitucional que deliberou em 2015 (Acordam n.º 296/2015) quanto à inconstitucionalidade de alguns dos seus dispostos, nomeadamente os aplicados a cidadãos estrangeiros por não respeitarem o princípio da igualdade.

A área da proteção e segurança social tem merecido atenção também no âmbito das políticas de integração de imigrantes, nomeadamente através de medidas específicas nos planos de ação nacionais para a integração de imigrantes em Portugal. O primeiro Plano para a Integração dos Imigrantes (PII) (Resolução do Conselho de Ministros 63-A/2007, de 3 de maio) reconhecia o fenómeno migratório como um fator positivo para a sustentabilidade da segurança social. O seu elenco de 122 medidas incluiu cinco que lidavam diretamente com a segurança social. A primeira destas surge na área de intervenção sobre trabalho e formação profissional. Trata-se da medida 9, que previa a realização de campanhas de sensibilização de trabalhadores imigrantes e respetivos empregadores relativamente à importância da inscrição dos trabalhadores na segurança social e ao cumprimento das obrigações fiscais de ambas as partes. As restantes quatro medidas surgem na área de intervenção sobre solidariedade e segurança social: a medida 47 priorizava o “estabelecimento de convenções de Segurança Social em falta, com os países de origem de imigrantes para Portugal, por ordem decrescente da dimensão da comunidade presente”, prevendo nomeadamente que se desenvolvessem esforços para o estabelecimento de novas convenções bilaterais de segurança social e que se acelerasse os processos que já se encontravam em curso; a medida 48 procurava salvaguardar os direitos, adquiridos e em formação, dos trabalhadores imigrantes que decorriam da vinculação dos mesmos ao sistema previdencial do Sistema de Segurança Social, prevendo que para tanto se desenvolvesse esforços no sentido de garantir aos trabalhadores imigrantes informação adequada que permitisse o exercício pleno dos seus direitos; a medida 49 visava o “apoio humanitário a situações de pobreza extrema de imigrantes”, tratando-se, nomeadamente, de “garantir apoio social e o respeito pelos direitos humanos básicos, em situações de pobreza extrema de imigrantes irregulares ou de doentes imigrantes isolados, a partir da definição de um perfil de emergência humanitária equiparado ao definido para cidadãos nacionais” e de “realizar as diligências adequadas junto dos países de origem no sentido de que estes exerçam a proteção consular adequada nos termos previstos no direito internacional aplicável.”; finalmente a medida 50 tinha por objetivo de sensibilizar e formar “os funcionários da Segurança Social para o acolhimento e integração dos imigrantes”, prevendo, em concreto, a realização de “um plano de formação para os funcionários da Segurança Social que lidam com questões de imigração, tendo em vista uma melhor resposta técnica e humana às questões sociais específicas com que se deparam na relação com os imigrantes.”

O segundo Plano para a Integração dos Imigrantes (2010-2013) (Resolução do Conselho de Ministros 74/2010, de 17 de setembro) também previu cinco medidas direcionadas para a relação entre imigrantes e segurança social. Na área de intervenção sobre emprego, formação profissional e dinâmicas empresariais surge a medida 22, que visava garantir, por meio de uma alteração legislativa, a renovação dos títulos de residência a imigrantes mesmo que a entidade empregadora não tivesse cumprido as obrigações perante a segurança social. Na área de intervenção sobre solidariedade e segurança social surgiram as medidas 33 e 34: a primeira associada ao apoio humanitário a imigrantes em situações de pobreza extrema, seja qual for o “seu estatuto de permanência em Portugal, tendo como referência a definição de emergência humanitária aplicada aos cidadãos nacionais.”; e a segunda prosseguia o esforço de estabelecimento de convenções de segurança social com países de origem de imigrantes com comunidades representadas em Portugal, nomeadamente a Guiné-Bissau, Índia e Rússia. Na área de intervenção sobre idosos imigrantes surgiram ainda as medidas 69 e 70: a primeira destas preconizou o combate à vulnerabilidade socioeconómica dos idosos imigrantes através da divulgação das respostas institucionais disponíveis mediante a divulgação, junto dos imigrantes idosos e das suas famílias, dos apoios sociais disponíveis (e.g., complemento solidário para idosos, rendimento social de inserção) e agilização do acesso aos mesmos, com vista ao combate à sua vulnerabilidade socioeconómica e segregação social; já a medida 70 previu a divulgação das formas de acesso aos direitos decorrentes das contribuições feitas para a segurança social, não só em Portugal mas também nos países de origem e na União Europeia, uma vez que o acesso aos mesmos é por vezes dificultado ou mesmo impossibilitado por desconhecimento dos procedimentos.

Mais recentemente, o Plano Estratégico para as Migrações (2015-2020) (Resolução do Conselho de Ministros n.º 12-B/2015, de 20 de março) integra duas medidas que se relacionam com a interação dos imigrantes com a segurança social. No eixo III (Política de coordenação dos fluxos migratórios) surge a medida 63, que visa a promoção da imagem de Portugal no exterior por meio da criação de um plano de comunicação para a atração de migrantes que informe, entre outros aspetos, sobre os regimes de segurança social, de modo a facilitar a futura integração na sociedade portuguesa. Por último, no eixo IV (Políticas de reforço da legalidade migratória e da qualidade dos serviços migratórios) ocorre a medida 87, que tem por objetivo alargar a várias áreas, entre as quais a segurança social, a utilização de um programa que permite agilizar a validação da situação de regularidade documental em território nacional.